"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

Heróis negros de todos nós

José Vicente 13 Mai 2019, 9:34 machado_negro.jpg

Subverter a memória, dissimular a história, negar ou apagar o valor do outro é a primeira regra do manual de submissão e subordinação de indivíduo, comunidades, povo e nação. Desconstitua a língua, destruam os deuses, demonize os heróis, interdite e criminalize a expressão e a representação identitária. Está dada a dominação; está consumada a subjugação.

Marco Túlio Cícero, cônsul romano, vaticinava que povo sem heróis é povo sem memória, facilmente vencível. E dizia que pobre a pátria que não tenha heróis. Seguramente, mais pobre ainda é a pátria que, os tendo, não os reconheça, não os celebre e, principalmente, por conta da discriminação racial que a estruture, promova sua marginalização ou o falseamento da sua real identidade.

Por tudo isso, o Congresso Nacional e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) realizam um gesto de grandeza e justiça aos negros e ao povo brasileiro ao aprovar e sancionar a lei 13.816/2019, que inscreve no Livro dos Heróis Nacionais Dandara de Palmares e Luiza Mahin.  

Dandara, guerreira e comandante das lutas de resistência dos quilombos e esposa do líder negro e herói nacional Zumbi dos Palmares, vencida em combate e diante da possibilidade do aprisionamento, preferiu lançar-se à morte num precipício que ter sua liberdade vilipendiada. 

Luiza, escrava que comprou sua própria liberdade, comandou, na Bahia, a luta pelo fim da escravidão e pela liberdade dos negros escravizados. Também legou para nossa história seu filho Luiz Gama, que, vendido pelo pai branco como escravo, comprou sua liberdade, formou-se advogado rábula no Largo São Francisco, jornalista, escritor e patrono da abolição da escravatura.

Com o mesmo espírito e com o propósito de reparar erros e equívocos do passado e do presente, em comemoração dos nossos primeiros 15 anos de vida da Faculdade Zumbi dos Palmares, lançamos uma grande investida para reconstituir e requalificar cem grandes personalidades e personagens negros, heróis anônimos ou oficiais que ficaram esquecidos, marginalizados e mesmo desvirtuados pelo caminho.

No projeto Herói de Todos Nós, que iniciamos neste mês de maio, estamos lançando o movimento Machado de Assis Real, que tem como objetivo comunicar, publicitar, informar e conscientizar a todos da autêntica, genuína e verdadeira feição do patrono da literatura brasileira e fundador e presidente da Academia Brasileira de Letras.

Neto de negros escravos, filho de pai negro com mãe branca, ao longo da história sua apresentação estética sofreu um processo de branqueamento que desvirtuou e falseou sua aparência real, suprimindo e apagando sua pele escura e demais traços de sua negritude. Um absurdo injustificável que mancha a história do país, fere o orgulho e a autoestima da comunidade negra e que remete a erro a percepção de todos os amantes do nosso herói literário.

Por meio do site www.machadodeassisreal.com.br, estamos disponibilizando, em vários formatos, a fotografia real para que os interessados possam baixar e inserir sobre a foto antiga e também um movimento de coleta de assinaturas para que as editoras e livrarias deixem de imprimir, publicar e comercializar livros em que o escritor apareça embranquecido, substituindo-a pela imagem verdadeira de Machado.

Uma errata histórica após 131 anos de abolição da escravatura, feita para corrigir a intervenção do racismo e da discriminação racial na história, pertencimento e estética desse e de outros grandes personagens negros, com o desejo sincero de reparar a injustiça, encorajar novos e orgulhosos escritores negros e, fundamentalmente, valorizar e celebrar os heróis negros e todos nós.

(Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo, em 13 de maio de 2019 - encurtador.com.br/fwGNX)