"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

Retomemos a luta de Alceu Amoroso Lima: contra o arbítrio

Paulo Sérgio Pinheiro 11 Dez 2019, 11:13 alceu-amoroso-lima-foto.jpg

A Comissão Arns receberá hoje, 11 de dezembro, um dia após a data em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos, o Prêmio Alceu Amoroso Lima, concedido pelo centro que leva seu nome e pela Universidade Cândido Mendes. Receber esse prêmio, menos de um ano após a criação da Comissão, é o reconhecimento de que estamos na linha do legado de Alceu Amoroso Lima em sua luta contra o arbítrio e pelos direitos humanos.

Nascido no Rio de Janeiro, em 1893, Dr. Alceu, como era chamado, estava em Paris quando viu o século XIX efetivamente morrer, com o desencadear da Primeira Guerra Mundial. Desde sua conversão ao catolicismo, em 1928, como ensaísta, crítico literário, escritor, professor de literatura, será um intelectual engajado no seu tempo até sua morte, aos noventa anos, em 1983 – sua vida “mudando com o mundo em mudança”, como gostava de dizer. Sua vasta obra não se restringe a uma disciplina apenas, compreendendo o direito, a filosofia, a religião, a literatura, a economia, os direitos humanos.

Os anos 1960 foram o tempo das encíclicas sociais de João XXIII, Mater et Magistra, 1961, e Pacem in Terris, 1963, cuja renovação da igreja católica Dr. Alceu assume entusiasticamente. Participou do Concílio Vaticano II, convocado por aquele papa, e por Paulo VI foi nomeado membro da Comissão Pontifícia Justiça e Paz, da qual participou de 1967 a 1972. Esse aggiornamento da igreja católica influencia decisivamente sua visão da política e da sociedade, em defesa do convívio entre os diferentes, por meio do diálogo, suportando o movimento e a contradição. Para Dr. Alceu, a única lei da história é o imprevisto. Em uma entrevista, em 1980, declara que “a questão central era a liberdade” e que tem “horror ao fanatismo”.

De 1958 até 1983, assinando como Tristão de Athayde, colabora com o Jornal do Brasil e com a Folha de S. Paulo. Em seus textos, corajosamente expõe as violações de direitos humanos perpetradas pelo regime militar – que a elite católica entusiasticamente apoiara.

No artigo “Terrorismo Cultural”, de maio de 1964, apenas um mês depois do golpe militar, denuncia “os processos mais antidemocráticos de cassar mandatos, suprimir direitos políticos, demitir juízes e professores, prender estudantes, jornalistas e intelectuais em geral, segundo a tática primária de todas as revoluções que julgam domar pela força o poder das convicções e deter a marcha das ideias”. A partir daí, denuncia regularmente a repressão, as torturas, as prisões arbitrárias, em artigos – segundo ele, uma “crônica do tempo presente”, reunida em livros como Pelo humanismo ameaçado, A experiência reacionária, Em busca da Liberdade e Revolução Suicida.

Agora que o autoritarismo ressurge no mundo e no Brasil, é urgente e necessário revisitar a oposição de Alceu Amoroso Lima à ditadura militar de 1964 e sua defesa intimorata da liberdade, da democracia e dos direitos humanos.

Paulo Sérgio Pinheiro recebeu o prêmio Alceu Amoroso Lima, em 1983, na primeira vez em que a homenagem foi outorgada.