"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

11 anos de guerra civil na Síria

Paulo Sérgio Pinheiro 14 Mar 2022, 12:02 siria.jpg

Foi em 11 de março de 2011 que parte da população começou a demonstrar seu descontentamento com o governo de Bashar al-Assad, como parte dos protestos da Primavera Árabe. A situação rapidamente escalou para um conflito armado que ainda assola o país, mais de uma década depois.

Com inflação a 140% e 90% da população vivendo na pobreza, muitas crianças da Síria nunca conheceram uma nação que não estivesse em guerra. Nesta semana, a Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria divulgou o mais recente relatório e a ONU News entrevistou o presidente do grupo, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro. Acompanhe a conversa com Eleutério Guevane:

ONU News: A primeira questão é sobre a pobreza. 90% da população está nesta situação e temos agora o conflito na Ucrânia, que diz que poderá piorar devido a uma alta no preço dos alimentos. Poderia comentar?

É uma guerra, na sua maior parte, sem “botas no terreno”, como se diz, traduzindo da expressão em inglês boots on the ground, é uma guerra sendo feita por ataques aéreos e agora com drones e a escalada está no tratamento, na falta de preocupação com a proteção da população civil na Síria

Paulo Pinheiro: Bem, a primeira razão da situação é que é um país destruído pela guerra. Nós estamos falando de uma crise de 11 anos. A economia síria já tinha sido atingida pela crise no Líbano, pela crise econômica no Líbano, e agora a questão da Ucrânia é realmente muito preocupante, porquê, por exemplo, o trigo é importado diretamente da Ucrânia. É um sem número de fatores. Outro fator são as 7 milhões de pessoas internamente deslocadas. Só na região noroeste, no governo de Idlib, temos mais de 2 milhões de deslocados internos e metade deles vivendo em campos, numa situação muito precária. Aliada à situação da pobreza, existe também uma dificuldade do acesso à ajuda humanitária, que hoje está restrita a um ponto só ponto de entrada na Síria. Então, todos esses fatores levam a isso que nós descrevemos no relatório que o senhor mencionou.

ONU News: Dr. Pinheiro, há um coquetel aqui que é um pouco assombroso. Fala-se de três fatores: nível de sofrimento em novo patamar, colapso da economia e desastre humanitário. Olhando para daqui a mais 10 anos, mantendo a situação, o que é que vê?

Paulo Pinheiro: A minha primeira esperança é que não tenhamos mais 10 anos nesta situação. É preciso também dizer que a responsabilidade por esta situação é das partes em conflito, especialmente os (países) membros das Nações Unidas que estão participando desse conflito desde o começo. O andamento das negociações políticas está totalmente parado.

O enviado especial (da ONU para a Síria), Geir O. Pedersen, faz um grande trabalho em termos do Conselho Constitucional, mas hoje a negociação política está parada porque a maioria dos atores continua achando que há uma solução militar para a crise. Na conversa de hoje com a imprensa, nós dissemos que esperamos que, pelo menos na Ucrânia, esse conceito de resolver a crise militarmente não tenha êxito. Não há outra saída a não ser uma saída diplomática e, efetivamente, os canhões na Síria, as armas, os ataques aéreos têm falado mais do que a diplomacia. 

Aliada à situação da pobreza, existe também uma dificuldade do acesso à ajuda humanitária, que hoje está restrita a um ponto só de entrada na Síria.

ONU News: A violência na Síria continua enfrentando uma escalada, que vai para uma situação que o relatório chama de novo abismo, que inclui assassinatos até dentro de acampamentos para deslocados internos. Essa situação tem como parar?

Paulo Pinheiro: Há outros conflitos seríssimos que nós vemos na região mesmo, porque na verdade o que está em curso não é uma guerra só entre as partes, entre as forças pró-governamentais, os grupos terroristas reconhecidos pela ONU e os grupos estatais não-armados, mas é que é uma guerra contra os sírios. O antigo enviado especial do secretário-geral, que eu admiro muito, o Lakhdar Brahimi, quando ele se demitiu do cargo, ele dizia que nenhuma das partes do conflito leva em consideração os legítimos interesses da população síria. Esse é que é o drama. É uma guerra, na sua maior parte, sem “botas no terreno”, como se diz, traduzindo da expressão em inglês boots on the ground, é uma guerra sendo feita por ataques aéreos e agora com drones e a escalada está no tratamento, na falta de preocupação com a proteção da população civil na Síria. 

Artigo originalmente publicado no site das Nações Unidas, 10/3/2022

Foto: UNICEF/Amer Almohibany