Cada vez mais, empresas precisam se comprometer com direitos humanos e democracia
16 Dez 2025, 10:12
Foto: Joana Zylbersztajn
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sediou, dia 15, no Rio de Janeiro, o seminário “Democracia e Direitos Humanos: Empresas Juntas por um Brasil Mais Igualitário”, iniciativa realizada em parceria com a Comissão Arns, o Instituto Ethos, a Faculdade de Direito da FGV-SP e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), apoio Fiesp e Petrobras. O encontro reuniu representantes de governo, lideranças empresariais e organizações da sociedade civil para discutir o papel das empresas na promoção dos direitos humanos, da diversidade, da equidade e da inclusão, em um contexto de reconstrução democrática no país.
A relação entre democracia e direitos humanos foi um dos eixos centrais do debate. Para Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos e membro fundador da Comissão Arns, o avanço da agenda empresarial em direitos humanos depende diretamente da preservação do Estado Democrático de Direito e da memória institucional construída ao longo das últimas décadas. “Os direitos humanos começam a ser respeitados, ou não, dentro das próprias empresas, considerando inclusive a remuneração dos trabalhadores”, afirmou.
Vannuchi avaliou que o seminário representa um passo importante na retomada de um diálogo interrompido nos últimos anos, ao reunir empresas, governo e sociedade civil. “Esse evento é fundamental para a reconstrução democrática no Brasil, ao recolocar empresários, trabalhadores e governo em um espaço de diálogo”, disse.

Também integrante da Comissão Arns, a cofundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), Cida Bento, resgatou a trajetória histórica das lutas por trabalho digno, igualdade racial e de gênero no Brasil. Em sua fala, destacou que os avanços atuais são resultado de décadas de pressão dos movimentos sociais, do movimento negro e do movimento sindical, e que esse acúmulo histórico precisa ser reconhecido pelas empresas e pelo Estado. Segundo ela, essas pautas não nasceram nas empresas nem nas instituições públicas, mas da mobilização social, que empurrou essas agendas para o centro do debate democrático.
Cida Bento defendeu que políticas de diversidade e equidade sejam tratadas com o mesmo rigor das demais políticas organizacionais, com diagnóstico, plano de ação, metas, indicadores e monitoramento contínuo. Ela alertou para a invisibilização das mulheres negras nas políticas corporativas, observando que muitos avanços atribuídos à pauta de gênero beneficiam majoritariamente mulheres brancas. Para a pesquisadora, não é possível afirmar que houve avanço na pauta de gênero sem enfrentar explicitamente a desigualdade racial.
Ao tratar da relação entre empresas e democracia, Cida Bento afirmou que não existe democracia possível em contextos marcados por racismo, machismo e homofobia, e que o ambiente de trabalho é um espaço fundamental de formação de valores democráticos. Segundo ela, é dentro das organizações que se formam práticas capazes de fortalecer ou fragilizar a convivência democrática na sociedade.
Na sequência do debate, os participantes destacaram que a agenda de empresas e direitos humanos exige compromissos estruturais, incorporados à governança corporativa, e não apenas ações pontuais. A implementação da igualdade salarial entre mulheres e homens, a redução das desigualdades raciais, a presença de grupos sub-representados nas posições de decisão e a responsabilidade das empresas sobre suas cadeias produtivas foram apontadas como eixos centrais da discussão.
O diretor-presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, ressaltou que políticas de diversidade, equidade e inclusão são instrumentos concretos de promoção de direitos humanos e de redução das desigualdades, com impacto direto nas decisões estratégicas das empresas. “A responsabilidade empresarial com diversidade, equidade e inclusão é uma ação fundamental de promoção de direitos humanos e de redução de desigualdades. Se há uma decisão capaz de reduzir desigualdades dentro de uma empresa, ela passa pela promoção da diversidade, da equidade e da inclusão”, afirmou.
Magri também alertou para o risco de retrocessos nessa agenda diante de pressões internacionais contrárias às políticas de diversidade. Pesquisas realizadas pelo Instituto Ethos indicam avanços na entrada de pessoas negras e no aumento da presença de mulheres na média gerência, mas apontam estagnação nas posições de alta liderança e nos conselhos de administração. “A aceleração da equidade precisa acontecer nas posições estratégicas, nas posições de decisão das empresas”, disse.
A pesquisadora Flavia Scabin, da FGV-SP, destacou o impacto desproporcional das atividades empresariais sobre as mulheres, especialmente em contextos de trabalho degradante, grandes empreendimentos de infraestrutura, mineração e cadeias produtivas complexas. Segundo ela, além da baixa presença feminina em cargos de direção, os efeitos negativos dos negócios recaem de forma mais intensa sobre as mulheres. “Quando há impactos dos negócios nos direitos humanos, esses impactos são muito piores para as mulheres, que ficam mais expostas a violência sexual, tráfico de pessoas, sobrecarga doméstica e violência doméstica”, afirmou.
Com base nos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, Scabin afirmou que a atuação empresarial passou a exigir uma postura proativa na promoção dos direitos humanos. Ela apresentou dados do Corporate Human Rights Benchmark, segundo os quais, embora a maioria das empresas declare compromissos com o tema, apenas uma parcela reduzida estabelece metas específicas voltadas aos direitos das mulheres ou estende canais de denúncia às cadeias de fornecimento.
Apesar do avanço dos compromissos formais, diz ela, permanece significativa a distância entre as políticas declaradas e as práticas efetivas, especialmente na definição de metas, na ampliação de canais de denúncia e na incorporação da devida diligência em direitos humanos ao longo das cadeias produtivas.