Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Campo minado de cada esquina

Oscar Vilhena Vieira 11 Mai 2019, 13:11 balas.jpg

Em 4 de julho de 1995, um deputado do Rio de Janeiro, em campanha por sua reeleição, foi abordado por dois criminosos que lhe renderam, levaram sua moto e, como estava portando uma pistola Glock, também roubaram a sua arma. Apesar do treinamento militar, apanhado de surpresa, não teve como defender seu patrimônio. É assim que milhares de armas, ainda que legalmente adquiridas, passam às mãos do crime organizado, todos os anos, no Brasil.

Muitos anos depois, esse mesmo político, agora em campanha para a Presidência da República, foi covardemente esfaqueado. A proteção oferecida pela Polícia Federal e por seguranças de sua campanha, treinados e armados, não foi suficiente para prevenir o ataque. Novamente, o elemento surpresa.

Contra todas as evidências científicas e a própria experiência, a vítima, agora presidente, decidiu ampliar o acesso a armas de fogo, assim como flexibilizar o seu porte, por meio de um simples decreto, que afronta inúmeros dispositivos do Estatuto do Desarmamento e da própria Constituição Federal.

De uma só tacada ampliou o porte de armas para uma série de categorias, como caminhoneiros, agentes de trânsito, conselheiros tutelares e moradores de áreas rurais. O que, num cálculo conservador, significa cerca de 19 milhões de pessoas. Mais do que isso, permitiu que esses civis possam portar armas antes restritas às Forças Armadas e de segurança pública.

O desatino não termina aí. O decreto também autoriza portadores comprar até 5.000 munições por ano. Pela regulação anterior, esse número não passava de 50 para pessoas comuns. Se forem agentes de segurança, caçadores ou atiradores, não há limite para a compra de munição. A obrigação dos lojistas de informar o Exército sobre a transação foi transferida para os próprios compradores.

Por fim, menores de idade, com autorização de um responsável legal, poderão atirar em lugares específicos. Também determina o decreto que o Estado indenizará aquele que tiver o seu registro suspenso e a arma apreendida em face de condenação criminal. Isso não é uma ironia.

Duas serão as consequências mais dramáticas do decreto. A primeira, e mais óbvia, será o aumento exponencial de armas e munições, comercializadas de forma legal, que chegarão às mãos dos criminosos.

Não só velhas garruchas e revólveres, mas também pistolas .40 e armas semiautomáticas serão roubadas.

Como lembrou meu colega Luís Francisco Carvalho Filho, em sua última coluna, somente em 2016, 17.662 armas foram transferidas das firmas de segurança para os bandidos, no Rio de Janeiro. O fluxo agora será incomensurável.

O acesso do crime organizado e milícias a armas e munições estará resolvido.

A segunda consequência será uma corrida armamentista entre proprietários rurais e trabalhadores rurais e seus movimentos, que também tiveram ampliadas as oportunidades de adquirir armas. O resultado será mais tensão e mais mortes no campo.

Com esse ato, o governo está transformando o Brasil num verdadeiro campo minado. Um campo minado movediço, que passa de mão em mão, vitimando pessoas comuns, mas também policiais armados; como o presidente sabe, por experiência própria, os criminosos quase sempre nos surpreendem.

Caberá ao Congresso, que claramente teve sua competência usurpada, revogar o decreto. Enquanto isso não ocorre, seria prudente ao Supremo suspender liminarmente o ato, antes que seja tarde.

(Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 11 de maio de 201_9 - encurtador.com.br/gjklW) Foto: Freepik_