"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

Carta ao presidente do Senado sobre PEC das Drogas

10 Abr 2024, 17:55 _mg_1818 Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

De São Paulo para Brasília, 3 de abril de 2024

À Sua Excelência o Senhor Presidente do Senado Federal

RODRIGO PACHECO

Caro colega,

Tomo a liberdade de escrever esta carta para manifestar a imensa preocupação com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 45/2023, de sua autoria, que tramita no Senado Federal. A “PEC das Drogas”, cujo nome mais apropriado deveria ser “PEC dos Usuários”, por ser o alvo as pessoas que usam drogas, propõe alterar o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil.

A penalização da posse e do porte de drogas no rol dos direitos e garantias fundamentais viola a essência do artigo 5º, da Constituição Federal, na medida em que consagra direitos inegociáveis, como a liberdade individual e autonomia pessoal. Justamente, por ter esse status, mudanças devem ser para a ampliação dos direitos e garantias e jamais para restrição, como pretende a PEC 45/2023, motivo pelo qual ela é absolutamente inconstitucional.

Com a entrada em vigor da lei 11.343/2006 houve um aumento expressivo de pessoas presas enquadradas na Lei de Drogas. A ideia de despenalização teve como efeito rebote o enquadramento do usuário na figura do traficante, uma vez que não prevê critérios objetivos para a diferenciação da figura do usuário e do traficante. Na prática, a classificação do indivíduo é orientada pela discricionariedade, o que leva a pessoas com ínfimas quantidades de droga serem enquadradas como traficantes, sendo a população negra e periférica a que é mais letalmente impactada.

Apesar de suas deficiências, a referida lei trouxe um avanço significativo na forma como a questão do uso de drogas passou a ser compreendida no ordenamento jurídico, a partir de uma visão mais humanizada e integral. De alguma forma, mesmo que timidamente, contribuiu para amenizar o caráter estigmatizante da criminalização do usuário.

Senador, você tem em sua trajetória a defesa de inúmeras pessoas que estiveram às voltas com a Justiça Criminal, conhecendo com propriedade todo o cenário que está posto e que precisa ser aprimorado, sob pena de aprofundarmos ainda mais a situação de violência endêmica de nosso país. Em pleno ano de 2024, retomar a criminalização do usuário seria um retrocesso inacreditável!

Como se não bastasse, a proposta de mudança se faz a partir de uma emenda à Constituição Federal, no artigo 5 º, dos Direitos e Garantias Fundamentais, a espinha dorsal do Estado Democrático de Direito. Algo sem precedentes em outros países democráticos. É ainda pior que tal artifício terá como efeito a interdição de um debate urgente, que vem acontecendo mundialmente, diante dos efeitos nefastos da guerra às

drogas. Esta discussão fundamental está longe de ser simples, mas precisa ser encarada com coragem e responsabilidade.

A atual política de drogas tem custado a vida da juventude negra e periférica, a partir do encarceramento em massa, do aprofundamento da violência e do fortalecimento do crime organizado. Se aprovada, a “PEC dos Usuários”, o Senado Federal passará a mensagem de que pessoas que usam drogas não merecem ser tratadas com políticas públicas de saúde, educação e assistência social, mas sim com punição e encarceramento.

Caro Senador Pacheco, está nas suas mãos a possibilidade de que essa Casa inicie um processo rico de debates sobre a política de drogas de nosso país, para avançarmos com seriedade a partir do acúmulo de estudos acadêmicos e científicos e da experiência de organizações que há anos discutem com responsabilidade o tema.

Passou da hora de discutirmos uma política de drogas no país que esteja em consonância com os direitos humanos. Tenho absoluta convicção de que que esse movimento histórico traria um grande impacto na segurança pública nacional, com repercussões para além de nossas fronteiras. Impacto de grandes proporções nas trajetórias e vidas de milhares de brasileiros e brasileiras.

Na posição de Presidente do Congresso Nacional, você tem a oportunidade de fazer a diferença, de maneira positiva, diante de tema tão relevante. Para tanto, conte com o meu apoio.

Um grande abraço,

José Carlos Dias