Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Comissão Arns vai ao Pará cobrar respostas a violações de direitos humanos

14 Abr 2023, 16:57 Massacre-de-Eldorado-dos-Carajás-Joao-Roberto-Ripper-Imagens-Humanas1 Enterros de vítimas do massacre de Eldorado dos Carajás - Foto: Roberto Ripper/Imagens Humanas

A Comissão Arns estará no Pará, de sábado (15/4) até quinta-feira (20/4), com uma delegação para visitar territórios marcados pela violência no campo e pela negligência estatal, nos municípios de Marabá, Eldorado do Carajás, Anapu, Altamira e Belém. O objetivo é exigir respostas a uma série de crimes cometidos contra as comunidades locais e seus defensores, como o assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, e o extermínio de uma família de ribeirinhos em São Félix do Xingu, em 2022, casos que seguem sem resolução na Justiça.

Estarão presentes na delegação a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, o ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi e o ex-secretário da Justiça de São Paulo, Belisário dos Santos Jr., todos membros da Comissão Arns. Integram o grupo o advogado e ex-secretário de assuntos jurídicos do Ministério da Justiça Luiz Armando Badin e a psicóloga Leana Naiman, membros associados da organização, e o advogado da Comissão Pastoral da Terra José Batista Afonso. Claudia Dadico, Ouvidora Agrária Nacional, e Ana Cláudia Pinho, promotora de Justiça do Ministério Público Estadual do Pará, também acompanharão as ações.

Na segunda-feira (17/4), a partir das 9h, os membros da Comissão Arns estarão na Curva do S, em Eldorado do Carajás, para acompanhar os eventos do Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Anualmente, jovens ativistas acampam durante uma semana no local onde 21 trabalhadores rurais foram assassinados por policiais militares em 1996 e exigir resposta para o crime, que até hoje não foi completamente solucionado. Oziel Alves, que dá nome ao coletivo, era um dos camponeses assassinados na barbárie.

O roteiro da Comissão Arns também passará por assentamentos agrários e centros comunitários, onde serão realizadas entrevistas, reuniões e audiências com vítimas, familiares e lideranças, assim como autoridades locais. Ao final dessas visitas aos territórios, a Comissão realizará uma audiência em Belém com o governador do Pará, Helder Barbalho, e representantes da Secretaria de Segurança Pública e do Ministério Público Estadual, para discutir o andamento das investigações e medidas de proteção, além de fazer um alerta nacional para evitar a reincidência de crimes na região.

A programação da viagem da Comissão ao Pará foi realizada em conjunto com representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

“As visitas terão muitos componentes, mas o primeiro – e o principal – é a solidariedade. Essa população desesperada vai receber ali pessoas da faixa dos 70 anos, como eu, para que possamos dizer: ‘vocês não estão sozinhos’. Nós não temos poder para resolver tudo, mas vamos nos empenhar, pois temos voz para falar com as autoridades. E vamos monitorar se essas violações estão sendo investigadas”, afirma Paulo Vannuchi, ex-ministro dos Direitos Humanos e membro da Comissão Arns.

Programação completa

16/4/2013 (domingo)

Marabá

Reunião com lideranças e trabalhadores rurais para discussão de casos de assassinato, despejo, garimpo ilegal e ameaça

17/4/2013 (segunda-feira)

Eldorado do Carajás

Ato na Curva do S em memória aos mortos do massacre de Eldorado do Carajás, em 1996

Marabá

Reunião com lideranças para discussão de casos na terra indígena Parakanã

18/4/2013 (terça-feira)

Anapu

Roda de conversa com agricultores e visita ao assentamento Dorothy Stang (Lote 96)

19/4/2013 (quarta-feira)

Altamira

Reunião na Defensoria Pública do Pará (DPE-PA) e encontro com lideranças

Belém

Reunião com representantes da sociedade civil

20/4/2013 (quinta-feira)

Belém

Audiências com autoridades do poder público – Governador do Estado, Secretário de Justiça e Secretário de Segurança Pública

Histórico de mortes no Pará

Nos últimos anos, o Pará se tornou o estado brasileiro com o maior número de mortes em conflitos agrários: foram cerca de 111 assassinatos entre 2019 e 2022, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O histórico de crimes na região, porém, remonta a mais de duas décadas atrás. Um exemplo emblemático é o massacre de Eldorado do Carajás, em 1996, quando 155 policiais militares assassinaram 21 trabalhadores rurais que faziam uma marcha pacífica em direção a Belém. De todos os PMs, apenas dois foram condenados: Mário Pantoja e José Maria de Oliveira, mandantes do crime.

Um tempo depois, em 2005, a missionária norte-americana Dorothy Stang foi morta a tiros por ordem de fazendeiros locais em uma estrada de Anapu. Ela era integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e atuava na luta pela regularização das terras para famílias de trabalhadores rurais e trabalhava pelo fim das invasões garimpeiras e madeireiras. Trata-se de mais um caso que, 18 anos depois, permanece aberto: um dos comparsas do crime, Clodoaldo Carlos Batista, está foragido até hoje.

Outros dez trabalhadores rurais foram assassinados durante ação policial na Fazenda Santa Lúcia, na região sudoeste do Pará, em 2017. O caso ficou conhecido como a chacina de Pau D’Arco e se tornou um exemplo ilustrativo da gravidade da violência no campo no Brasil. Dezesseis pessoas foram indiciadas pelo massacre e devem passar por julgamento no tribunal do júri, ainda sem previsão.

Testemunha-chave do episódio, Fernando dos Santos Araújo foi morto em 2021 com um tiro na cabeça no acampamento Jane Júlia, na mesma região do crime original. O caso também segue sem respostas sobre quem foram os responsáveis pela morte de Araújo, que vinha sofrendo ameaças, segundo ele, de policiais envolvidos na chacina de 2017.

Em 2022, mais cinco assassinatos permaneceram impunes na região sul do Pará, dois de trabalhadores que fiscalizavam uma fazenda no município de Rio Maria e três de jovens que foram encontrados mortos em Novo Repartimento, na Terra Indígena Awaeté Parakanã.

Também no ano passado, a morte do ambientalista José Gomes, o Zé do Lago, sua esposa e sua enteada, em São Félix do Xingu, acendeu mais uma vez o alerta para a vulnerabilidade das comunidades ribeirinhas diante da atuação sistemática e violenta de grileiros na região. A família atuava com o manejo e preservação de tartarugas no Rio Xingu. Desde então, nenhum responsável pelo crime foi condenado. Com mais de 60 assassinatos no campo em 40 anos, segundo dados da CPT, o município ganhou uma infeliz reputação de impunidade e terra sem lei.