Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Consulta aos Waimiri Atroari: não se trata de barganha

Manuela Carneiro 18 Jul 2019, 12:06 linhao-tucurui-foto-pac-4b.jpg

Há muitos anos os Waimiri Atroari vêm insistindo no seu direito de serem consultados sobre o linhão que o governo quer fazer passar por seu território. Manuela Carneiro, integrante da Comissão Arns, explica que eles têm esse direito assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que é lei no Brasil desde 2004. Essa norma exige consultas adequadas, compatíveis com a organização social e a forma de tomada de decisões dos povos. É nesse sentido, e para evitar fraudes, que muitos povos indígenas já elaboraram seus próprios protocolos de consulta.

Várias decisões de tribunais têm sustentado esses direitos dos Waimiri Atroari, e a mais recente se deu em junho deste ano. Foi uma surpresa ver estampado no jornal O Estado de São Paulo de 6 de julho deste mês a notícia de que tinham sido oferecidos pela empresa Transnorte quase 50 milhões de reais aos Waimiri Atroari, querendo aparentemente passar a impressão de que a exigência de consulta do povo Waimiri não passaria de uma barganha financeira. Os Waimiri reclamaram e pediram direito de resposta no mesmo jornal. Publicamos abaixo a manifestação dos Waimiri Atroari.

ASSOCIAÇÃO COMUNIDADE WAIMIRI ATROARI - ACWA

Manaus, 08 de julho de 2019

Ao Conselho Editorial do Jornal O Estado de São Paulo

Ref.: Exercício de Direito de Resposta

ASSOCIAÇÃO COMUNIDADE WAIMIRI ATROARI – ACWA, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o nº 01.954.092/0001-01 situada na Terra Indígena Waimiri Atroari nos municípios de Presidente Figueiredo e Novo Airão no Estado do Amazonas e de Rorainópolis e São João da Baliza no Estado de Roraima, com sede administrativa à Rua Recife, nº 2305 – Bairro Parque 10, Manaus – AM - CEP 69.055-030, neste ato por seus advogados (procuração anexa) vem perante V.Sa., com fulcro no Art. 5º, V da CF/88 e disposições da Lei nº 13.188/15, no exercício do seu direito de resposta, expor e requerer o que se segue:

  1. Na edição escrita do Jornal “O Estado de São Paulo” do dia 06/07/19, na seção “ECONOMIA – B5” e na edição virtual do Portal Estadão, de mesma data, foi veiculada reportagem relacionada ao processo de construção da linha de transmissão de energia elétrica Manaus-Boa Vista denominada “Linhão de Tucuruí”, reportagem esta intitulada: “Índios têm oferta de R$ 49,6 milhão por linhão. Indenização tenta tirar do papel linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista; licença sai com ou sem aval de índios, diz governo”.
  2. Em determinados trechos da reportagem resta registrado que: “Na expectativa de dar fim ao impasse indígena que envolve a construção da linha de transmissão de energia que ligará Manaus (AM) a Boa Vista (RR), a concessionária Transnorte Energia, dona do projeto, colocou suas contas à mesa. O pacote de indenizações oferecido ao povo Waimiri Atroari, cuja terra indígena em Roraima é cortada pelo traçado da linha, chega a R$ 49,635 milhões. (...) O desembolso dos R$ 49,635 milhões foi dividido em três tipos de compensação. Para financiar 18 programas de proteção e compensação ambiental na etapa de construção da linha, prevista para três anos, a proposta é alocar R$ 18,379 milhões. Uma segunda compensação de R$ 3,555 milhões, que seria paga em parcela única, está relacionada à indenização da área total de 66 hectares que será ocupada pelas 250 torres da linha que serão erguidas na terra indígena. A terceira parcela está ligada aos impactos irreversíveis, que envolvem, por exemplo, alteração de rotas indígenas na floresta, aumento de ruídos e perda de vegetação. Para esse bloco, a proposta foi de R$ 27,701 milhões. O pagamento seria feito anualmente, em parcelas de R$ 1,025 milhão, e a empresa ficaria 27 anos à frente da operação. “Construímos essa solução com os indígenas e estamos certos de que chegaremos a uma solução juntos. Essa obra é estratégica e relevante para o País”, disse ao Estado o diretor técnico da Transnorte, Raul Fernando Ferreira.”(g.n.)
  3. Assim, pelo contexto da reportagem, nos trechos acima transcritos, em especial o da fala do Diretor Técnico da Transnorte Energia, Raul Fernando Ferreira, acaba-se por induzir o leitor à conclusão de que a única questão que até hoje se colocaria como obstáculo à finalização do processo de licenciamento ambiental e início das obras da referida linha de transmissão seria uma questão puramente financeira relacionada à oferta de um valor monetário para que as comunidade indígena Waimiri Atroari conceda seu aval à construção do empreendimento.
  4. _Entretanto, tal fato é uma inverdade, haja vista que a Comunidade Indígena Waimiri Atroari nunca colocou a discussão de valores pecuniários, a serem pagos por lei como compensação de impactos negativos, como sendo o principal ponto da discussão acerca do seu aval em relação ao empreendimento da linha de transmissão _
  5. _(sic) Até agora, a única participação e real preocupação da comunidade indígena Waimiri Atroari é com a correta identificação dos reais impactos socioambientais que o referido empreendimento energético vai acarretar na vida, nas terras e na cultura do Povo Waimiri Atroari e o que deve ser feito para evitá-los e/ou mitiga-los ao máximo. Frise-se que tais impactos, conforme consta na reportagem, são até agora identificados como 37 impactos, sendo 27 desses de caráter irreversível, ou seja, impactos que afetarão para o resto dos tempos a terra, a cultura e o modo de vida os Waimiri Atroari. _
  6. Daí a preocupação principal da Comunidade Waimiri Atroari ser justamente entender, identificar e saber como lidar com esses impactos de forma adequada para que seu modo de vida possa, na medida do possível, ser atingido de forma mínima, o que, mesmo assim, nunca foi e nem é o seu desejo sincero, pois o ideal seria que nenhum impacto fosse sofrido.
  7. _Em relação ao valor de R$ 49,635 milhões bradado pelo Sr. Raul Fernando Ferreira como sendo a “batida de martelo” para o fim de todo e qualquer impasse, em que pese possa parecer esse valor uma quantia expressiva, na verdade não é bem assim. _

_PRIMEIRO, nenhuma cifra monetária indenizatória foi discutida em conjunto com a Comunidade Waimiri Atroari. _

_SEGUNDO, esse valor é posto de forma unilateral pelo Empreendedor Transnorte Energia. _

TERCEIRO, tal valor sequer segue os corretos e adequados critérios técnicos-científicos que são exigidos pela legislação em vigor para que se estabeleçam os montantes indenizatórios em situações específicas como a de passagem de linhas de transmissão sobre a floresta virgem e atravessando o território de Reserva Indígena, no caso, respectivamente, a Floresta Amazônica e a reserva Indígena Waimiri Atroari.

  1. Mostra-se de extrema falta de boa-fé e com realces de maliciosidade propagar para o público em geral (que não conhece as reais nuances que envolvem anos de discussão sobre o licenciamento do empreendimento), que um valor monetário, qual seja ele, seria o suficiente para “convencer” o Povo Waimiri Atroari a concordar incondicionalmente com o empreendimento sem se preocupar com os impactos negativos que a linha de transmissão acarretará sobre a terra de seus ancestrais, terra esta que hoje é a sua terra e na qual eles tentam, a duras penas, conservar de forma intacta sua cultura, seu modo de vida e a boa relação que possuem com o ecossistema preservado que existe na reserva indígena.
  2. Informa-se também que eventuais entraves e atrasos do desenrolar da obra nunca foram ocasionados por conduta negativa da Comunidade Waimiri Atroari, sendo que os índios Waimiri Atroari nunca foram e não são contra à interligação do Estado de Roraima ao sistema nacional de abastecimento de energia elétrica, nunca foram e não são contra a passagem do “Linhão de Tucuruí”, mas exigem tão somente que seus direitos e prerrogativas constitucionais e legais sejam respeitados, ou seja, que seja cumprido o protocolo de consulta previsto na Convenção 169 da OIT, que sejam concluídos os estudos de impactos socioambientais, que sejam apresentados os resultados desses estudos e que sejam feitas as devidas, corretas e adequadas compensações por estes impactos, todas com base em critérios técnicos-científicos conforme determina a legislação e não de forma unilateral e totalmente desprovida de tais critérios.
  3. Assim, requer-se a este renomado Conselho Editorial do Jornal O Estado de São Paulo, que conceda o direito de resposta no sentido de veicular em edição escrita e virtual do citado veículo de comunicação, em mesmo espaço e destaque, os esclarecimentos acima apresentados, em especial os destacados nos parágrafos “4’ a “10”.