Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Contra a retórica do ódio

José Carlos Dias e Luiz Felipe de Alencastro 21 Nov 2019, 15:42 eduardo-bolsonaro-com-bone-trump-foto-paola-de-orte-agencia-brasil.jpg

Democracia, liberdade e respeito aos direitos humanos são valores indissociáveis, o tripé de uma sociedade civilizada. Devem ser repudiadas, portanto, quaisquer manifestações públicas que os coloquem sob ameaça. Combater o radicalismo, que se utiliza da propagação da violência como instrumento de poder e da disseminação da ignorância como método de ação, tornou-se prática mais constante do que se poderia imaginar, mas ainda mais necessária e relevante nos atuais tempos de ódio e incivilidade.

A convicção de que era preciso unir múltiplas vozes da sociedade como reação ao clima de intolerância visto nas eleições passadas e ao risco de retrocessos na agenda dos direitos humanos fez surgir a Comissão Arns. Quase dez meses desde nosso lançamento, em 20 de fevereiro, não faltam episódios e declarações repudiáveis a demonstrar o quão acertada foi essa mobilização.

Publicamos até hoje oito notas técnicas em resposta a casos de grave ameaça aos valores democráticos. Saímos em defesa das instituições científicas, alvo de mentiras, desinformação e ações governamentais equivocadas, e dos princípios elementares da Justiça penal, pelos quais o Estado deve exercer sua atividade punitiva com legitimidade, como determina a Constituição.

Causam indignação a todos os recorrentes episódios de inocentes – garçons a caminho de casa após o trabalho ou, ainda mais trágico, crianças em direção à escola – mortos por “balas perdidas” saídas de armas de propriedade do Estado. Como infelizmente tem demonstrado o exemplo fluminense, quanto mais se aumenta a retórica irresponsável dos governantes, maior o risco de um “guarda de esquina” se tornar algoz e carrasco, em vez de protetor da cidadania e cumpridor das leis.

É nosso papel denunciar e repudiar as declarações que tentam naturalizar o que jamais será normal em uma sociedade civilizada. Por isso, foi objeto da mais recente nota técnica da Comissão Arns a repugnante declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro em referência a “um novo AI-5”, expressão maior do regime de exceção imposto ao Brasil entre 1964 e 1985. Ainda que não seja motivo de surpresa, dada a recorrente demonstração de desconhecimento da história e dos mais básicos valores civilizatórios, o que Eduardo Bolsonaro fez não foi mera retórica como resposta a uma eventual radicalização da oposição ao governo de seu pai, mas grave falta de decoro parlamentar.

O terceiro filho de Jair Bolsonaro quebrou o compromisso de “defender e cumprir a Constituição” por ele assumido ao tomar posse do mandato – não custa lembrar, obrigação também do presidente da República. Cabe à Câmara dos Deputados tomar atitude proporcional à gravidade do ato, qual seja, o total descompromisso com direitos fundamentais e valores protegidos como cláusulas pétreas da Carta Magna.

Na boca da família Bolsonaro, democracia e liberdade são palavras sem sentido, pois desprovidas da ciência de que direitos humanos são universais e devem ser respeitados como tal. Em recente manifesto político-partidário, com o qual lançou sua iniciativa de criar uma agremiação para chamar de sua, o presidente e seu séquito reduzem a chavões princípios caros a uma sociedade civilizada, como ética, transparência e igualdade.

Da mesma forma, os gestos e atos do maestro do ódio são reveladores de seu intuito de destruição e violação orquestrada dos direitos humanos individuais e sociais. Nem ao menos se pode atribuir criatividade a essas manobras: nada mais anacrônico do que criar um novo partido e batizá-lo de Aliança, mimetizando como farsa a tragédia do bipartidarismo da ditadura militar e do arbítrio disfarçado de normalidade. Vivemos tempos difíceis, mas sabemos como e vamos reagir contra a retórica do ódio, em nome da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.