Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Direitos Humanos para Todos

Margarida Genevois 10 Fev 2019, 7:00 UN-Logo.png

A Declaração Universal de Direitos Humanos completou setenta anos em dezembro passado, reconhecida como uma conquista moral da humanidade. "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos: são dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade" (art.1º). Comemoramos a data com fé e esperança, mas também com uma aguda aflição causada pela insegurança diante dos rumos de nosso país, com tantos exemplos de violação dos direitos humanos, assim como da indiferença e da manipulação dos dados, o que leva ainda à impunidade dos responsáveis.

São o reconhecimento, a proteção e a promoção dos direitos humanos de todos - e não apenas de uma minoria privilegiada - que definem o nível civilizatório e ético de uma sociedade, de um país. Não existe democracia sem respeito aos direitos humanos, assim como, nos regimes autoritários, a garantia de direitos é limitada, quando simplesmente inexistente. O Brasil é signatário da Declaração de 1948 e de todos os pactos, convenções e tratados que se seguiram até hoje, inclusive aquele referente à tortura como crime contra a humanidade. Nossa Constituição aborda os direitos fundamentais, fruto de ampla mobilização popular durante a Constituinte.

É essa convicção sobre a exigência do rigor do Estado e da sociedade com os direitos humanos de todos que nos leva a participar da Comissão Arns, recentemente criada por um grupo de pessoas com experiência na militância pró-direitos fundamentais desde, pelo menos, a ditadura civil-militar inaugurada com o golpe de 1964. Somos advogados, juristas, jornalistas, professores universitários, educadores, cientistas sociais, psicanalistas unidos na mesma finalidade: denunciar e acompanhar graves violações de direitos humanos no país.

A proposta é ambiciosa, mas queremos trabalhar em rede, ou seja, em parceria com entidades da sociedade civil e com órgãos do Estado cuja função precípua seja justamente a defesa dos cidadãos, sobretudo os mais vulneráveis: os indígenas e os quilombolas; o povo das periferias espremido entre a violência dos bandidos e a das milícias e da polícia; os negros, especialmente a juventude; a população LGBT; os presos em nosso pavoroso sistema carcerário; os jornalistas e os professores perseguidos por sua opinião; as vítimas de tragédias resultantes da ganância ou da incúria das autoridades etc.

Permitam-me uma nota pessoal. Quando Dom Paulo Evaristo Arns, então arcebispo de São Paulo, convidou-me a integrar a Comissão Justiça e Paz, em plena ditadura nos anos 1970, fiquei comovida com a confiança depositada e temerosa de não "dar conta" do trabalho. Pois foi esse convite que me fez descobrir o sentido que daria à vida, e desde então a defesa dos direitos humanos e os projetos de educação em direitos humanos tornaram-se minha principal preocupação. Aprendi muito com Dom Paulo e tenho certeza de que sua presença estará sempre a nos iluminar nesta nova Comissão. Podemos sentir medo ou insegurança, mas sempre lembraremos de sua voz firme a nos dizer: "Coragem!".

Hoje enfrentamos, em certos setores, a desconfiança, quando não o desprezo, ao falar em direitos humanos. Mas estamos juntos nessa empreitada e contamos com o entusiasmo dos mais jovens que vão atuar em diversas áreas da Comissão. Aos 95 anos, fico feliz de vê-los participar e lutar por um mundo melhor. Alguns podem se desanimar considerando que essa luta por igualdade, liberdade, solidariedade é bonita, porém é uma utopia. Mas a utopia é sempre um horizonte. Gosto de lembrar o poeta Mário Quintana: "Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas". Dom Paulo é nossa maior estrela.