FGV Direito SP, Apib e Comissão Arns debatem marco temporal de terras indígenas
14 Abr 2023, 17:48 Primeiro debate do ciclo que vai discutir o Marco Temporal no Brasil - Foto: DivulgaçãoA FGV Direito SP, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns realizaram no dia 14 de abril o evento "O Direito e as ameaças aos povos indígenas no começo do século 21: ciclo de debates sobre o marco temporal", com o objetivo de, a partir da interlocução com organizações indígenas e com a comunidade científica, promover uma discussão pública multifacetada sobre o marco temporal das terras indígenas. O evento foi o primeiro de um ciclo de debates sobre o tema, que vai promover quatro encontros ao longo deste ano, no intuito de produzir insumos para o julgamento do Caso Xokleng no Supremo Tribunal Federal (STF).
O chamado “marco temporal” é uma tese jurídica ad hoc que limita o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais por meio da aplicação de um corte temporal restritivo. Segundo a tese, os povos indígenas só teriam direito às terras efetivamente ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. Na ausência de ocupação efetiva, seria necessário provar a existência de um conflito instaurado pela terra naquela mesma data. Essa tese interpretativa redefine radicalmente o conceito de direito originário à terra consagrado na Constituição Federal, reduzindo e mesmo inviabilizando o reconhecimento e a proteção de grande parte das terras indígenas (TIs) no Brasil.
O marco temporal é uma das ameaças mais graves e estruturais aos direitos indígenas, à biodiversidade e ao equilíbrio climático na atualidade. Ao longo dos últimos 15 anos, ele tem sido central no cerceamento dos direitos indígenas, sendo usado para justificar despejos de comunidades e a suspensão da demarcação de TIs pelo governo federal e pelo Poder Judiciário. Esses processos têm deixado povos indígenas vivendo em situações de violência, ameaças, invasões territoriais e vulnerabilidade social e cultural. O marco temporal tem contribuído também para o enfraquecimento da proteção das terras indígenas, e, em decorrência disso, para o desmatamento, a degradação ambiental, e a emissão de gases de efeito estufa oriundos de mudanças no uso da terra.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu a urgente tarefa de realizar o controle de constitucionalidade do marco temporal ao iniciar o julgamento do Recurso Extraordinário 1017365 – conhecido como “Caso Xokleng” -, uma ação na qual o Estado de Santa Catarina se apoia no marco temporal para restringir os direitos territoriais do povo Xokleng. Como o STF reconheceu repercussão geral ao julgamento, as centenas de ações judiciais versando sobre o marco temporal que hoje aguardam julgamento serão afetadas pelo seu desfecho.