Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Mesa de Diálogo contra a Violência reúne sociedade civil

16 Ago 2019, 8:55 mesa1.jpeg

Entidades da sociedade civil reuniram-se na manhã do dia 15 de agosto, em torno da Mesa de Diálogo contra a Violência, uma iniciativa da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Realizada na sede da OAB, em Brasília, a mesa foi concebida para estimular um debate plural, democrático e sempre na perspectiva dos direitos humanos, como reação ao clima de intolerância instalado no país.

Além da OAB e da Comissão Arns, a mesa foi composta por representantes das entidades: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (Conic), Conselho Federal de Psicologia (CFP), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Núcleo de Estudos da Violência, Instituto Sou da Paz, Centro Nacional de Africanidades e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), entre outras.

Para o presidente da Comissão Arns, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, a reunião é um sinal de que a sociedade brasileira começa a se estruturar em defesa da democracia, contrária às violações de direitos humanos e ao clima de ódio que se instalou no país. “Vivemos tempos de medo”, observou Dias, que presidiu a mesa. “O radicalismo incendiado de ódio infiltra-se nas redes sociais e nas diárias e insanas declarações presidenciais. A sociedade tem a obrigação de se defender e promulgar o império da paz e da justiça.”

Luiz Viana, vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e anfitrião do evento, declarou que a OAB estará de portas abertas para quem deseja discutir e dialogar sobre os problemas da violência no país. “Não é apenas possível, mas necessário que se lute pela preservação dos direitos fundamentais de todos os brasileiros para a construção de uma política de segurança pública”, afirmou.

Momento histórico

Os mestres de cerimônia do evento foram o jornalista Juca Kfouri e a escritora Meimei Bastos. Eles leram uma carta assinada pelas entidades que aderiram ao ato, com críticas a propostas como a facilitação do porte e da posse de armas de fogo, assim como a declarações públicas de autoridades que acabam por legitimar a violência de agentes do Estado. O documento alertou para o fato de que as entidades representativas da sociedade civil precisam mobilizar pessoas e instituições para uma agenda positiva de direitos humanos e cultura cidadã nas discussões relacionadas à segurança pública.

Declarando-se honrado por representar o papa Francisco, Dom Joel Portella, secretário-geral da CNBB, enalteceu o papel da Mesa de Diálogo: “Esse é mais um daqueles momentos na história em que as instituições da sociedade civil se reúnem para cumprir um papel indispensável diante da nação e dos desafios que se apresentam. Instituições com diferentes maneiras de ler a realidade, e que estão conscientes de que o interesse da nação e do povo brasileiro é maior que qualquer diferença que possa existir entre nós”, afirmou. “Vamos enfrentar esse desafio através do diálogo e da união de forças, pois não se apaga fogo com gasolina.”

O presidente da ABI, Paulo Jerônimo de Sousa, destacou que o Brasil é hoje um dos cinco países do mundo em que profissionais do jornalismo são mais ameaçados, agredidos e mortos, com uma média de cinco assassinatos por ano. Ele ressaltou que esse tipo de perseguição é recorrente e lembrou casos como os dos jornalistas Vladimir Herzog, morto no DOI-Codi em 1975, e de Tim Lopes, que foi sequestrado e torturado dentro de um complexo de favelas do Rio de Janeiro. “As estatísticas nessa área continuam escabrosas”, apontou. “Aqueles que ameaçam, constrangem, agridem e matam os jornalistas estão violentando também a democracia que, sem liberdade de expressão, não existe.”

Em nome da SBPC, o conselheiro Alfredo Wagner Berno de Almeida, da Universidade Federal do Amazonas, disse que a adesão à iniciativa da Comissão Arns se deu, em primeiro lugar, pelos graves efeitos dos cortes nas pesquisas. “O cerceamento se dá por meio dessas medidas administrativas e burocráticas, que afetam a produção do conhecimento científico”, explicou. “As universidades brasileiras ocupam uma boa posição no ranking das universidades internacionais e não vivem de rede social. Essas críticas são desautorizadas e fazem parte dessa campanha de violência e de ódio contra o conhecimento científico, e o conhecimento livre e informado”. O professor também chamou a atenção para a violência contra lideranças indígenas, que se intensificou desde o início do ano. “É uma oportunidade para repensarmos a Amazônia, e essas populações e comunidades tradicionais que representam a riqueza, e a diversidade ecológica e ambiental do país”, completou.

Todos no mesmo barco

Makota Celinha, coordenadora do Cenarab, destacou a importância da Mesa de Diálogo contra a Violência para a comunidade negra, que é atualmente a maior vítima dos crimes de racismo, intolerância religiosa, homofobia, violência policial e feminicídio. “Nosso país é jovem, mas traz marcas profundas do desrespeito aos mais simples. Um país que tem a segunda maior população negra do mundo e que ainda não deu conta de nos perceber e nos tratar como iguais em direitos”, afirmou. Ela frisou que atualmente um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos por arma de fogo. “O extermínio em massa da juventude negra é a face mais cruel e perversa do genocídio do povo negro no Brasil”, completou.

Uma situação de calamidade em termos de violência. Esse foi o cenário do Brasil atual, descrito por Elisandro Lotin, presidente do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ele ressaltou que as vítimas desse confronto estão dos dois lados do front, tanto da sociedade civil quanto dos profissionais da segurança pública. “Há uma barreira construída entre os policiais e a sociedade civil organizada em relação aos direitos humanos”, observou. “Não existe uma sociedade sem polícia, seja a ideologia que for. Porém, esse modelo de polícia agora precisa ser discutido com a sociedade. Fazem de tudo para nos afastar, quando estamos temos que estar todos unidos no mesmo barco. É preciso quebrar e destruir esse muro”, concluiu.

A procuradora-federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, alertou para a chegada da ultradireita ao poder no mundo. Segundo ela, o processo eleitoral foi baseado em discurso de ódio, mas o que mais chama a atenção é que a violência agora se expõe na própria gestão da máquina pública, como uma ferramenta de governança. “Temos que ficar atentos aos fatos porque se trata de uma violência que se dá no plano do discurso e no avanço sobre os corpos”, aponta. “O atual presidente faz exaltação da tortura. É possível conviver com esse tipo de discurso? Porque do discurso se passa rapidamente à prática”.