Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Nota Pública #24 – Sobre o despejo no Quilombo Campo Grande

17 Ago 2020, 17:17 acao-da-pm-mg-em-assentamento-do-mst-quilombo-campo-grande-foto-mst.jpg

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns vem denunciar e levantar sua voz de indignação contra a violência que atingiu cerca de 450 famílias no Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, uma comunidade de mais de 2.000 pessoas, que utiliza a área há 23 anos para produção agroecológica e moradia, efetivando, assim, a função social da propriedade em gleba de uma usina falida.

Desde a última quarta-feira, dia 12, essa comunidade é alvo de uma questionável ação de reintegração de posse executada por 250 soldados da Polícia Militar, na fase mais aguda de uma pandemia que impõe o isolamento social como forma de proteger a vida de todos.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, já havia anunciado a suspensão do despejo, cedendo a pedidos de diálogo e intermediação que foram apresentados por autoridades religiosas, artistas, entidades da sociedade civil, bem como por instituições como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Defensoria Pública estadual e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, neste caso, expressando uma frente de apoio parlamentar.

Apesar das tratativas, a palavra do governador foi descumprida, tendo prosseguido uma operação de despejo com intimidações, voos rasantes de helicóptero, demolição de uma escola por tratores, destruição de lavouras e produtos agrícolas, fogo no pasto seco para frear a resistência pacífica dos moradores, bombas de gás lacrimogêneo e pimenta, retirada de famílias e prisão de pelo menos quatro pessoas que resistiram aos ataques, visando a proteção de seus familiares e, em especial, das crianças.

O repúdio da Comissão Arns a esse tipo de grave violação dos direitos humanos torna-se ainda mais premente quando se leva em conta o cenário catastrófico da pandemia em nosso país, no qual o estado de Minas Gerais vem ostentando preocupante curva de elevação das contaminações e mortes por Covid-19, nos últimos dias.

Um ano atrás, a Comissão Arns endereçou mensagem comum a essas famílias e aos magistrados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conclamando as autoridades a decidir com alta sensibilidade perante as questões sociais envolvidas, uma vez que, havendo aparente conflito entre direitos fundamentais, direito à propriedade e direito à moradia, era preciso decidir com cautela e responsabilidade, utilizando-se os meios legais de mediação e conciliação em benefício da vida e do trabalho daquela coletividade. Assim, o TJ cassou a ordem de despejo de 1º grau.

Agora, em 2020, quando decretos, leis e decisões judiciais de âmbito federal e estadual convergem no reconhecimento do estado de calamidade pública, por força de uma crise sanitária e humanitária que já ceifou 100 mil vidas brasileiras, essa mesma sensibilidade precisa ser reiterada e confirmada – abandonada, jamais. O agravamento da violência, ao colocar mais vidas em risco, não interessa à democracia e aos direitos humanos.

Por isso, a Comissão Arns:

Recomenda às autoridades públicas, judiciais e executivas que suspendam qualquer ação, seja fruto da iniciativa privada ou pública, respaldada em decisão judicial ou administrativa, que tenha como finalidade desabrigar famílias e comunidades durante o período de pandemia, respeitando as medidas de isolamento, higiene e assistência social, essenciais para conter o avanço da Covid-19.

Recomenda às autoridades públicas que levem em conta os avanços e as experiências acumuladas nesse tipo de conflito, em especial a Recomendação nº 10, de 17/10/2018, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, que dispõe sobre soluções garantidoras de direitos humanos e medidas preventivas em situações de conflitos fundiários coletivos, rurais e urbanos, colocando-as em prática nessa situação;

Manifesta sua expectativa otimista frente aos tribunais superiores de Brasília, para que decidam, com a máxima urgência, sobre a definitiva suspensão do despejo, inclusive com base em instrumento já interposto pelo ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Brito.

Convida a imprensa a dedicar a devida atenção aos episódios em curso, pois eles dizem respeito à efetivação dos direitos humanos no enfrentamento das desigualdades e da concentração de renda, no campo e na cidade.

Comissão Arns

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Foto: MST