Tribunal Permanente dos Povos condena Bolsonaro por crimes contra a humanidade
1 Set 2022, 17:26 Anúncio da sentença do TPP na Faculdade de Direito da USP - Foto: Áurea LopesO Tribunal Permanente dos Povos (TPP) condenou o presidente Jair Bolsonaro por crime contra a humanidade e violações aos direitos humanos por atos e omissões cometidos ao longo de sua gestão durante a pandemia de Covid-19. A sentença foi anunciada dia 1º de setembro, na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo. A denúncia foi apresentada no final de maio, na 50ª Sessão do TPP, sob o tema Pandemia e Autoritarismo, pelas organizações Comissão de Defesa de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, Coalizão Negra por Direitos, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Internacional de Serviços Públicos (ISP).
A acusação imputa a Jair Bolsonaro a propagação deliberada do coronavírus, que provocou mais de 600 mil mortes no país, com especial impacto para as populações indígena e negra, e também para os profissionais de saúde. De acordo com o júri do TPP, os óbitos poderiam ter sido evitados caso tivessem sido adotadas medidas aconselhadas pela Organização Mundial da Saúde(OMS) e por cientistas.
O epidemiologista e filósofo italiano Gianni Tognoni, secretário geral do TPP, abriu a sessão de leitura da sentença e passou a palavra ao juiz argentino Eugénio Zaffaroni, integrante do júri, que proferiu o resultado: “Ficou estabelecido que Bolsonaro cometeu dois atos ilegais - uma grave violação dos direitos humanos, incitando publicamente à sua violação contra amplos setores da população brasileira que são discriminados, e um crime contra a humanidade, optando por uma política de saúde contrária ao isolamento, prevenção do contágio e vacinação, que dolosamente levou à morte de dezenas de milhares de pessoas”.
O cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro dos Direitos Humanos, membro fundador e primeiro presidente da Comissão Arns, ressaltou a desumanização a que são submetidas, historicamente, as populações negra e indígena, as maiores vítimas do coronavírus no Brasil. “A pandemia de Covid-19 escancarou a situação fragílima da população negra e dos povos indígenas perante o vírus. Essa revelação brutal ganhou mais nitidez depois das eleições de 2018, com o assalto às instituições de Estado por um governo de extrema-direita de corte neofascista”, afirmou.
Segundo a jurista e ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, que participou do evento, aplicar e cumprir a Constituição só será possível “se conhecermos bem os fatos que a agridem, as atrocidades que não podemos admitir e as condutas que precisam ser punidas para que não se repitam”. Para ela, o tribunal tinha não só o papel de avaliar se a combinação entre pandemia e autoritarismo havia sido responsável pelas consequências mais nefastas sofridas por negros, indígenas e profissionais de saúde, mas também de ajudar a defender o Estado Democrático de Direito. O diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Campilongo, também participou da mesa de abertura.
Para a advogada de acusação Eloísa Machado, membro apoiadora da Comissão Arns é “um alívio a sentença que reconhece Bolsonaro como um criminoso internacional”. Mas, afirma, o trabalho não acabou: “O TPP solicitou às organizações autoras que levassem o caso para o Tribunal Penal Internacional (TPI). Pois bem, o caso já foi levado e está em avaliação na Procuradoria do TPI. Temos certeza de que haverá uma investigação, além dos crimes contra a humanidade, também por genocídio aos povos indígenas. Esse dia vai chegar. E a gente pode fazer uma sessão para relembrar que essa história começou aqui, nesta sala, com a leitura da sentença do Tribunal Permanente dos Povos”. A acusação foi sustentada também por Maurício Terena, advogado e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e Sheila de Carvalho, advogada e articuladora da Coalizão Negra por Direitos.
O TPP deixa, junto à sentença, uma recomendação para que a Corte de Haia delibere sobre a acusação de genocídio na conduta do presidente Jair Bolsonaro. Já existe no Tribunal Penal Internacional uma denúncia da Apib e da Comissão Arns com esse aspecto.
O líder indígena Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), esteve no ato como convidado de honra do Tribunal. Manuela Morais, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, fez a última fala do evento.
O veredito do Tribunal Permanente dos Povos tem impacto simbólico e reputacional, sem aplicar penalidades, e serve de convite para que os órgãos competentes, nacionais e internacionais, deem prosseguimento ao julgamento das denúncias já registradas contra o presidente Jair Bolsonaro.