"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

A batalha da hora

Maria Hermínia Tavares de Almeida 9 Mai 2019, 14:34 corda.jpg

O presidente Bolsonaro não é um político de direita tradicional, como o seu homólogo argentino Mauricio Macri ou o chileno Sebastián Piñera, que respeitam e atuam conforme as regras do jogo democrático.

É, ao revés, um espécime rústico de um gênero de políticos autoritários, a quem os estudiosos denominam populistas e que se caracterizam pela aversão ao pluralismo e às liberdades próprias das democracias contemporâneas.

No poder, os populistas desqualificam e perseguem os opositores, investem contra a liberdade de imprensa, tratam de controlar o Legislativo e de extinguir a autonomia do Judiciário, minando assim os alicerces do sistema democrático.

Que ninguém se engane. Como ele se jactou mais de uma vez, Bolsonaro veio para destruir “isso daí” — e “isso daí” nada mais é do que a democracia com compromisso social, inscrita na Constituição de 1988. Assim fará, se puder. Mas, em política, a capacidade de fazer sempre prevalece sobre as intenções.

Estas são clamorosas; aquela estará sujeita à força combinada dos freios sociais e institucionais que venham a se contrapor à intenção de jogar por terra o que se construiu nas últimas décadas.

Apesar da vitória eleitoral por maioria folgada, pesquisas de opinião parecem indicar que o bolsonarismo de raiz, identificado com os valores e propostas do chefe, constitui um contingente significativo, porém bem menor que o dos brasileiros que nele votaram sem concordar necessariamente com as suas mais extremadas —vá lá a palavra— ideias.

Sem esquecer que, da experiência de construção democrática no país, nasceu uma multiplicidade de organizações e redes —reais ou virtuais— de ativistas que se ocupam da defesa de direitos dos múltiplos grupos identitários da sociedade. (Elas existem também à direita e são destinatárias privilegiadas das mensagens do presidente e de sua prole).

Por fim, há uma imprensa plural que, embora predominantemente conservadora, não é por natureza oficialista.

Do lado dos freios institucionais, cabe lembrar que a estrutura federativa do Estado; o multipartidarismo; um Congresso fragmentado no qual a maioria situacionista nunca é dada, mas tem que ser construída; e os poderes ampliados das instituições que formam o sistema de Justiça se traduzem em robustos diques de contenção às tentações hegemônicas do Executivo.

Nada disso, decerto, garante que a democracia não venha a ser corroída, aos poucos, por um governo avesso aos seus princípios e valores, respaldado por interesses poderosos e indiferentes ao Estado de Direito.

Essa é a batalha da hora.

(Texto originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 9 de abril de 2019 - encurtador.com.br/fjOZ1) Foto: Freepick / Rawpixel