"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

Extermínio oficialmente anunciado

Paulo Sérgio Pinheiro 27 Ago 2019, 8:37 mortes-policiais.jpg

Sobre mortes pela polícia no Brasil, já ouvi de tudo. Mas nada tão sinistro como as declarações do secretário estadual da polícia civil do Rio de Janeiro, delegado Marcus Vinícius de Almeida Braga, neste mês de agosto de 2019. Sua Excelência proferiu que “o número de mortes provocadas por policiais deve aumentar até dezembro”. As razões que o secretário invoca para essa escalada criminosa são temerárias: “É um número que a tendência é subir até dezembro porque as ações estão sendo feitas. Sem citar dados, declarou que o número das mortes ainda é “alto” e “não é um número que a gente deseja”.

Os números – que a gente não deseja – são 434 execuções de janeiro a março deste ano, em média de sete mortes por dia pela polícia militar. Em 2018, foram 368 , o maior índice nos últimos 21 anos. E essas mortes correspondem a 40% dos homicídios no Rio de Janeiro e na Grande Niterói. Não há cidade, não há país no mundo (exceto talvez as Filipinas) que apresente tais números.

Essa previsão macabra do delegado escancara uma política de governo de execuções extrajudiciais baseada na tolerância e na impunidade das mortes. Não há nenhuma ligação direta entre mortes e eficiência no enfrentamento com a criminalidade. Como lembra o sociólogo Sebastian Roche, “uma boa polícia é antes de mais nada uma polícia que não mata nem fere, não uma polícia que mata e fere legalmente”.

Tais números são a estatística de uma política de segurança incompetente e criminosa, que põe em risco as vidas dos policiais e a população que habita nas favelas. E que não debela as organizações criminosas nem garante maior segurança para a população. Esse extermínio atinge principalmente adolescentes e jovens negros, alvos do racismo, do apartheid por parte das classes médias e dominantes brancas em relação à população das favelas – em sua quase totalidade, trabalhadores e respeitadores da lei.

É lamentável e deprimente que 30 anos de governos democráticos nas esferas federal e estaduais não conseguiram estancar essa mortandade porque não puderam ou não quiseram impor controles efetivos sobre a polícia através das instituições do Ministério Público e da Justiça, fortalecidos pela Constituição de 1988. Claro que a polícia vai sempre usar a força, mas o que vai qualificar seu caráter democrático é o controle, para citar Roche mais uma vez: “A distinção entre ditadura e democracia não se deve apenas ao nível de violência da política, mas à realidade do controle de suas ações”.

Justamente o que já está consolidado no Rio de Janeiro é a total falta de controle sobre a polícia. A licença para matar proposta pelo pacotão de Sérgio Moro virá legalizar de vez as execuções extrajudiciais pelas polícias militares no Rio e no Brasil, na transição lenta, gradual e segura da democracia para a ditadura.