"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

A confirmação de uma legislação libertária e redentora

José Vicente 9 Fev 2021, 8:52 jovem-negro-estudando-computador-freepick.jpg

Em 2022, quando o Brasil se debruçar para diagnosticar e avaliar os resultados dos primeiros 200 anos de existência da sua Independência, o desafio extraordinário que lhe incumbirá será confrontar a efetividade de coisa de todos que lhe conforma, com o alcance e efetividade da construção e enraizamento desses seus fundamentos enquanto realidade visível e tangível na vida da sociedade e do país. Será um momento de inventário severo e um exercício politicamente delicado e intrincado de avaliar a verificação de seus propósitos e a veracidade objetiva abrigada na sua ideia original de acolhimento, tratamento e oportunização igualitária de todos, independentemente de credo, origem, sexo, cor, raça.

Instaurada sem povo e pela subjugação das armas, e edificada sobre o terreno pantanoso da escravidão e privilégios de classe e raça, juntamente com a Constituição republicana que a perfilou, já trouxe incrustada na sua gênese a contradição, o casuísmo e a ambiguidade que, além de fragilizá-la, na sua origem, implantou e consolidou em seu âmago uma interdição que tem impossibilitado de alcançar e efetivar seus propósitos.

Apagando dos seus registros os quase quatrocentos anos de subjugação e opressão contra os negros, não provendo nenhum tipo de indenização ou reparação, e não formalizando nenhuma politica pública de inclusão, qualificação, desenvolvimento, integração e participação politica e social desses brasileiros, a República nasceu deformada e, do seu nascedouro à sua longa marcha rumo a 2022, se transformou num espelho invertido, onde negros e brancos foram intuídos como cidadãos de primeira e segunda categoria e mantidos separados e desiguais.

Foi a Constituição cidadã de 1988 que construiu uma luz ao final do túnel e que construiu uma janela de oportunidades ao reconhecer raça como uma categoria social e politica inquestionável, e o racismo como crime inafiançável e imprescritível. E foram as ações afirmativas raciais e, especialmente, a lei 12.711/2012, que institui as cotas nas universidades publicas e demais instituições federais de ensino superior; e a Lei 12.290/2014 que institui cotas de 20 nos concursos públicos federais que se constituíram nas primeiras medidas de politicas públicas objetivas para combate ao racismo e à discriminação racial contra os negros, na história da nossa controversa e contraditória Republica.

Em 2022, quando completam-se os dez anos que a lei determina para revisão das cotas nas universidades federais, a sociedade brasileira será convocada a rever e confirmar os fundamentos da democracia, da justiça e, sobretudo, os princípios e valores republicanos do nosso tempo. Terá uma extraordinária oportunidade de resgatar o passado de sombras para um futuro de glórias, terá a oportunidade de celebrar e fortalecer um sentido de justiça genuíno de coisas de todos, bem como, inscrever e terminar de forma intensa e definitiva, um caminho e os mecanismos que tornarão nossa República passível de ser concluída.

Se de coerência e razoabilidade se tratar, seguramente, aprovarão por unanimidade a prorrogação por mais de dez anos dessa legislação libertária e redentora, que irá engradecer e fortalecer a equidade, a igualdade e, sobretudo, o sentido de justiça para os negros e todos brasileiros.

Foto: Freepick