Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Brutalidade policial nas favelas, o dossiê sobre a mesa das Nações Unidas

Traduzido de Glória Paiva, para o Il Manifesto em 11 de junho de 2022. 13 Jun 2022, 19:23 735f1e95c052ea2e9d0e69797e689d2c Reprodução

A Comissão Arns sobre os "guerreiros" do presidente brasileiro. "Violência racista e classista", fala Paulo S. Pinheiro, um dos autores do documento.

A violência policial no Brasil voltou a receber atenção internacional nas últimas semanas, após o massacre de pelo menos 23 pessoas em uma operação policial contra a organização criminosa Comando Vermelho na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro. E após a morte de Genivaldo de Jesus Santos, asfixiado por gás lacrimogêneo e spray de pimenta no porta-malas de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Umbaúba, no estado de Sergipe.

Genivaldo foi parado porque pilotava uma motocicleta sem capacete. Já naquela que foi a segunda operação policial mais letal da cidade do Rio de Janeiro, na Vila Cruzeiro, entre os 23 mortos, 16 nem sequer eram investigados e um era menor de idade.

Apesar da brutalidade, este episódio não é novidade: em seis anos, o número de chacinas na cidade do Rio aumentou seis vezes. De acordo com uma investigação do Instituto Fogo Cruzado, até maio deste ano — ou seja, antes do massacre da Vila Cruzeiro — só no estado do Rio foram verificados 1.162 tiroteios com 322 civis e 18 policiais mortos.

Os detalhes destes dois casos recentes de violações de direitos humanos, bem como outros dados que documentam a escalada da violência policial desde 2018, foram coletados em um dossiê da Comissão Arns, composta por alguns dos principais especialistas em direitos humanos do Brasil. O documento foi entregue ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Agora, o órgão independente da ONU que investiga racismo e violência policial — o mesmo grupo criado em 2021, após a morte de George Floyd — vai avaliar a situação brasileira.

Entre 2019 e 2021, segundo a Comissão de Arns, as execuções durante as operações das forças de segurança aumentaram 48%. De acordo com Paulo Sérgio Pinheiro, professor de ciência política da Universidade de São Paulo e membro da Comissão Arns, trata-se de uma violência racista e classista, pois 78,9% das vítimas são pessoas negras e as operações em que perderam a vida ocorreram nas favelas e nas periferias. “É um problema crônico no Brasil — explica Pinheiro ao Il Manifesto — especialmente nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. A polícia militar desempenha um papel de força de ocupação nas comunidades periféricas. Um apartheid de fato prevalece contra a população negra”. A tolerância histórica da sociedade em relação a esse apartheid corresponde ao racismo estrutural brasileiro, agravado em um contexto em que os negros permanecem excluídos dos cargos de poder, dos altos comandos e dos mais altos órgãos judiciais.

“Um velho problema”, lembra Pinheiro, que ganhou um novo componente político no discurso presidencial. A violência policial é frequentemente incentivada por Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Após o massacre da Vila Cruzeiro, por exemplo, Bolsonaro e o governador do Rio, Cláudio Castro, aplaudiram. "Parabéns aos 'guerreiros' da Polícia Militar do Rio de Janeiro que neutralizaram pelo menos 20 criminosos ligados ao tráfico de drogas", escreveu o presidente nas redes sociais.

Para o atual governo, as forças de segurança, as forças armadas e seus simpatizantes são uma parte importante do eleitorado. Além disso, para o especialista da Comissão de Arns, o apoio a Bolsonaro pela polícia, em caso de tentativa de golpe — possibilidade que o presidente já mencionou em diversas ocasiões — seria fundamental.

Novas regras, como a que suspende as investigações de crimes cometidos pela polícia durante suas atividades ou a que permite a compra de armas para caçadores, membros de clubes de tiro e agentes da reserva, "são todas coisas que atendem às aspirações golpistas do presidente", avisa Pinheiro.

Outro argumento trazido pela Comissão de Arns às Nações Unidas é o uso da Polícia Rodoviária Federal em operações de segurança e combate ao narcotráfico, embora sua finalidade deva se restringir ao patrulhamento das rodovias brasileiras. Em 8 de junho, a Justiça Federal do Rio acatou o pedido do Ministério Público para a suspensão imediata da participação da PRF em operações fora de suas funções.

O documento da Comissão Arns também sinaliza o desaparecimento da disciplina de direitos humanos dos cursos de formação da PRF, reservados a novos agentes, como um dos agravantes da violência.

"Atualmente, a única instituição que resiste às ambições ditatoriais de Bolsonaro é o Supremo Tribunal Federal. De resto — conclui Pinheiro — temos um governo hostil aos direitos humanos, às regras democráticas de controle das forças policiais e à sociedade civil".

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