"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

Comitê da ONU em defesa das mulheres incorpora recomendações da Comissão Arns sobre população feminina em situação de rua

4 Jun 2024, 12:27 Maria Ivani dos Santos Lima dorme nas ruas do centro de São Paulo Maria Ivani dos Santos Lima dorme nas ruas do centro de São Paulo - Rovena Rosa/Agência Brasil

São Paulo, junho de 2024 – O Comitê Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – CEDAW, na sigla em inglês –, ao concluir o processo de revisão do Brasil perante o órgão, divulgou hoje (3/6) relatório final com destaque para brasileiras vivendo em situação de rua. O Comitê afirma ver com preocupação o fato de que estas mulheres representem hoje cerca de 15% do total da população de rua no Brasil, “enfrentando risco agravado de violência de gênero”.

O tema foi levado ao CEDAW pela Comissão de Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns, em parceria com o Movimento Nacional de População de Rua, Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua e pelo Movimento Estadual da População em Situação de Rua em São Paulo, como forma de contribuição ao processo de revisão periódica do Brasil. No seu relatório final, o CEDAW cita textualmente o documento apresentado pela Comissão Arns, entendendo que a falta de programas sociais e de proteção se torna mais urgente “tendo em vista que muitas das mulheres vivendo nas ruas continuam a ser chefes de família, com a responsabilidade de cuidar de filhos e de pessoas idosas”.

Nos últimos anos, a Comissão Arns tem se voltado para a situação de extrema vulnerabilidade das pessoas que habitam as ruas de capitais e cidades de médio porte pelo país, levando em conta pesquisas que apontam um aumento de 140% desta população ao longo da pandemia. Diante da crise sanitária e do vazio de políticas públicas para o segmento, a Comissão Arns buscou dialogar, de forma emergencial, com prefeitos, governadores e demais autoridades, a fim de pelo menos tentar mitigar o estado de abandono destas pessoas.

A par disso, a Comissão Arns realizou três importantes seminários com múltiplos atores, na tentativa de desvendar uma realidade tão presente aos olhos de todos e, ao mesmo tempo, tão invisibilizada, socialmente: dois seminários aconteceram em 2023 na FGV-Direito e o maior deles na sede da Fiesp, em 7 de abril último. Neste encontro, a Fiesp atuou como parceira e anfitriã de um programa de debates de dia inteiro, com superlotação de público.

Na ocasião foi dada a palavra aos representantes dos vários movimentos PopRua, além de representantes do Ministério Público, defensores públicos, pesquisadores e ativistas sociais, em mesas temáticas sobre os desafios de quem precisa de moradia, emprego, documento, saúde, segurança, respeito e esperança.

Mulheres vivendo essa condição puderam expor a sua vulnerabilidade agravada, ecoando uma das conclusões de estudo realizado pelo IPEA: embora elas sejam entre 13% e 15% do total de pessoas vivendo nas ruas, são vítimas de cerca de 40% dos casos de violência sofridos por esta população.

O relatório elaborado pela Comissão Arns ao CEDAW mostrou como os raros levantamentos sobre a População de Rua no Brasil têm sido omissos em relação à violência de gênero, recomendando com urgência que os institutos de pesquisa, a começar pelo IBGE, e demais órgãos de governo, comecem a trabalhar com dados desmembrados por sexo e orientação sexual, para construir políticas públicas mais eficazes.

O relatório de recomendações do CEDAW, nesta mesma direção, determina que o Estado-parte Brasil “urgentemente desenvolva um plano de ação, em consulta com os movimentos dos sem-teto e da sociedade civil, na busca de uma proteção abrangente de saúde e serviços sociais para mulheres moradoras de rua, que alcance suas crianças e outros dependentes, também abordando o direito à moradia”.

A Convenção CEDAW, considerada uma carta internacional pelos direitos das mulheres, foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 1979, entrou em vigor em 1981 e foi ratificada pelo Brasil em 1984. As recomendações emitidas pelo seu Comitê, como no presente relatório, passam a fazer parte integral da própria Convenção, sendo de implementação obrigatória no Brasil, nos três poderes constituídos e nos três níveis federativos.