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Israel e Palestina: ocupação colonial e abuso sistemático de direitos

Paulo Sérgio Pinheiro 18 Mai 2021, 20:40 bombardeio-gaza-2-aljazeera.jpg

“O ocupante e eu - ambos sofremos com o exílio. Ele está exilado em mim e eu sou a vítima de seu exílio”

Mahmoud Darwish, poeta palestino

Domingo passado o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se pela terceira vez para tratar da crise em Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados. Nas duas vezes anteriores, 14 estados-membros, entre 15, quiseram passar uma resolução criticando os dois lados e pedindo o cessar-fogo, mas os Estados Unidos bloquearam essa determinação. Nesta terceira rodada, houve consenso em torno de uma deescalation e uma trégua imediata. Todos os membros garantiram que envidariam esforços, incansavelmente, para por fim ao conflito. Alguns membros pressionaram por uma declaração conjunta, sem obter sucesso.

Mas o que teria feito o Conselho de Segurança se reunir por quatro vezes – nesta terça-feira, mais uma vez? É importante trazer à luz o contexto da crise atual, geralmente omitido. A ocupação da Cisjordânia por Israel envolve abusos sistemáticos de direitos, como demonstrou o recente relatório de Human Rights Watch, que destaca práticas como punição coletiva, uso rotineiro de força letal excessiva contra manifestantes e detenção administrativa prolongada sem acusação ou julgamento.

O documento apontou ainda construção e apoio a assentamentos ilegais na Cisjordânia, expropriação de terras palestinas e imposição de ônus aos palestinos, mas não aos colonos, restringindo seu acesso a serviços básicos e tornando quase impossível para eles fazer construções sem risco de demolição. O fechamento de Gaza por Israel, que dura 14 anos, restringe severamente o movimento de pessoas e mercadorias, com impacto humanitário devastador. Este é o legado de cinco décadas de colonialismo israelense.

No primeiro dia do Ramadan, em 13 de abril, mês sagrado mulçumano, policiais invadiram a Mesquita de Al- Aqsa, cortando os cabos dos alto falantes que transmitiam orações aos fieis desde quatro minaretes. Era também o dia da Memória em Israel, em honra dos mortos pelo país. O presidente de Israel discursava no Muro da Lamentações, logo abaixo da Mesquita, e os policiais alegaram que as orações abafariam sua fala. Essa profanação de um dos lugares mais santos do Islã levou a intensos distúrbios, nos quais a força policial e colonos israelenses mataram 20 palestinos – fazendo deteriorar ainda mais a situação.

Seguiu-se a isso a decisão arbitrária do novo chefe de polícia de fechar com barreiras metálicas a piazza em frente ao Portão de Damasco, uma das principais entradas da Velha Cidade de Jerusalém. Jovens palestinos que se reuniam durante as noites de Ramadan tentaram defender seu acesso àquele espaço e foram brutalmente reprimidos pela polícia.

Em 21 de abril, centenas de membros do grupo de extrema direita Lehava marcharam no centro de Jerusalém, cantando “Morte aos Árabes” e atacando passantes. A polícia e o exército de Israel reprimiram os palestinos na defesa dos colonos extremistas. Houve mais protestos, de novo selvagemente reprimidos com gás lacrimogêneo, granadas de choque e balas de metal revestidas de borracha, contra a eventual autorização da Corte Suprema de expulsar 13 famílias do bairro palestino Sheikh Jarrah. A Jerusalém Oriental palestina é alvo de uma manobra de engenharia demográfica cujo propósito é retirar de lá os árabes e trazer os israelenses.

A escalada de violência que resultou dessas provocações armadas continua, pela segunda semana. Israel informa que sofreu dez mortes, incluindo duas crianças. Na Faixa de Gaza, até 17 de maio, a conta chegava a 212 palestinos mortos, incluindo 61 crianças, e mais 1.230 feridos. A catástrofe humanitária causada pelos bombardeios afeta quase todos os civis. Na segunda-feira, as bombas israelenses explodiram sobre 132 edifícios residenciais e danificaram de forma irrecuperável 316 moradias. Derrubaram uma torre onde agências de notícias como Associated Press tinham escritórios. Os sistemas de esgoto foram assolados. Uma usina de dessalinização que fornece água potável para 250 mil pessoas está desligada e os encanamentos de água que atendem pelo menos 800 mil pessoas foram arruinados. Os aterros, fechados, acumulando lixo a céu aberto. Dezenas de escolas foram destruídas ou tiveram que fechar, forçando cerca de 600 mil alunos a faltar às aulas.

Fica evidente a desproporcionalidade em relação ao poder bélico dos ocupantes e o dos ocupados. Enquanto a imensa maioria dos foguetes disparados de Gaza contra Israel foi interceptada, os mísseis israelenses não tiveram qualquer dificuldade para matar numerosos civis palestinos. Não estamos, portanto, diante de um conflito que implica relativa equivalência entre as partes, ali inexistente. Quando uma potência ocupante invoca seu direito de autodefesa, bombardeando a população civil ocupada, não se trata de um conflito. Mas de um ato de agressão.

Os palestinos têm o mesmo direito a segurança, igualdade e território que os israelenses. Além da urgência do cessar-fogo e da paz, está mais do que na hora de a comunidade internacional encontrar uma solução política para essa calamitosa crise.

Foto: Al Jazeera