Mães de vítimas da violência policial em SP, RJ e BA denunciam Estado brasileiro à OEA
12 Jul 2024, 17:16 Representantes da sociedade civil participam de sessão da CIDH - Foto: Aurea LopesRepresentantes de movimentos de mães de vítimas da violência do Estado e organizações de direitos humanos como Anistia Internacional, Conectas Direitos Humanos, Instituto Vladimir Herzog (IVH), Comissão Arns, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e Washington Brazil Office (WBO) participaram de uma audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), na qual denunciaram o Brasil por violações durante operações policiais ocorridas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia.
A reunião, realizada dia 12 de julho, teve presença de Jan Jarab, representante regional do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU para América do Sul, além dos comissionados da CIDH.
“Nós almejamos muito essa audiência com a CIDH porque vimos um governo como o do estado de São Paulo fazendo um verdadeiro laboratório na Baixada Santista, com muitas mortes. E, quando denunciamos, esse mesmo governo ainda é capaz de criminalizar famílias inteiras, além das próprias vítimas. Nós não podemos aceitar isso calados”, afirma Débora Maria da Silva, do movimento Mães de Maio.
Entre janeiro de 2023 e maio de 2024, dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Sinesp/MJSP) sobre Mortes Por Intervenção Policial indicam que pelo menos 4.270 pessoas foram mortas, o que representa oito mortes por intervenção policial por dia em um período de 16 meses.
Recomendações
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP, entre 2013 e 2022, as polícias brasileiras mataram 49.968 pessoas em ocorrências classificadas como “intervenções policiais com resultado morte” ou “resistência seguida de morte”. Apenas em 2022, 6.429 pessoas foram mortas por agentes de segurança, o que significa que, a cada dia, a polícia matou uma média de 17 pessoas. As vítimas são basicamente homens (99,2%), jovens (68% entre 18 e 29 anos) e negros (83,1%), mortos nas ruas das grandes cidades.
Sob o discurso da 'guerra às drogas', o Estado brasileiro, por décadas, tem justificado operações policiais militarizadas que têm como alvo áreas com maior concentração de pessoas negras e favelas. Essa narrativa leva à criminalização dessas populações, sujeitas ao uso desnecessário e excessivo da força por agentes de segurança pública, o que, em muitos casos, resulta em execuções extrajudiciais, especialmente de jovens, inclusive adolescentes, que vivem nessas áreas.
Sobre o uso seletivo e desnecessário da força pelo Estado Brasileiro, os movimentos e entidades que participam da audiência na CIDH vão apresentar recomendações, que envolvem também medidas de controle externo da atividade policial e a redução da letalidade. São elas:
- Estabelecer políticas para vítimas de abusos de direitos humanos e suas famílias, as quais garantam apoio oportuno e eficaz independentemente de decisões judiciais, incluindo serviços de saúde mental, proteção e representação legal.
- Tomar medidas urgentes para revisar as leis antidrogas, especialmente a Lei nº 11.343/2006, e estabelecer alternativas à criminalização de infrações menores não violentas relacionadas a drogas, que não causem danos a terceiros.
- Implementar um plano, de acordo com o direito internacional e normas sobre o uso da força, com objetivos concretos, metas e medidas de responsabilização para reduzir os assassinatos resultantes da letalidade policial, violência armada e execuções extrajudiciais. Tais iniciativas devem ser adequadamente financiadas e garantir a participação efetiva de organizações da sociedade civil, movimentos sociais afro-brasileiros e outras comunidades afetadas. Além disso, instamos que tais iniciativas também levem em consideração os aspectos interseccionais dos assassinatos ilegais pela polícia, bem como as disparidades regionais e diferenças entre estados.
- Impor controle rigoroso sobre o uso de armas de fogo de alto poder (como fuzis ) e armas automáticas, garantindo que não sejam utilizadas durante operações policiais em favelas e outras áreas urbanas densamente povoadas, exceto em conformidade com padrões internacionais sobre o uso da força em circunstâncias de perigo extremo inevitável e excepcional. Qualquer uso da força deve respeitar os princípios de legalidade, necessidade, proporcionalidade e responsabilidade.
- Estabelecer claramente, em leis e regulamentos, a responsabilidade de oficiais comandantes e outros superiores por condutas ilegais realizadas pela polícia.
- Garantir a proteção dos envolvidos em denúncias, investigações e processos criminais contra a polícia e realizar investigações completas sobre o assassinato e eventuais ameaças contra aqueles que conduzem investigações.
- Revisar por completo a abordagem fortemente militarizada para o controle de drogas ilícitas, especialmente em favelas e comunidades negras, e adotar uma abordagem que coloque a proteção da saúde pública e dos direitos humanos no centro, incluindo a descriminalização do uso, posse e cultivo de drogas para uso pessoal e a expansão de serviços de saúde e outros serviços sociais para abordar os riscos relacionados ao uso de drogas.
- Restringir o uso das Forças Armadas na manutenção da ordem pública apenas como medida temporária em circunstâncias excepcionalmente graves em que seja impossível confiar exclusivamente em agências de aplicação da lei. Nessas circunstâncias excepcionais, sua participação deve ser subordinada e complementar às forças policiais civis e ser regulamentada e supervisionada por autoridades civis. Investigações sobre violações de direitos humanos por autoridades militares ocorridas nessas situações devem ser conduzidas por tribunais civis.
- Parar de usar uma abordagem de "inimigo" e terminologias fornecidas pelo vocabulário da "guerra às drogas", que molda como as forças de segurança conduzem suas operações, muitas vezes em violação ao direito internacional dos direitos humanos e normas.
- Tomar medidas imediatas para combater o racismo sistêmico na sociedade brasileira e o papel central que desempenha no policiamento de favelas e comunidades negras, inclusive em operações antidrogas.
- Investigar prontamente, de forma independente e imparcial, todas as alegações de perfilamento racial e discriminação racial entre as forças policiais e de segurança e implementar todas as reformas apropriadas para proibir o perfilamento racial na condução do policiamento.
- Condenar publicamente, no mais alto nível do governo, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e outros assassinatos ilegais cometidos no contexto de operações policiais, e enviar mensagens públicas de que o racismo em operações policiais não será mais tolerado.
- Garantir que todos os assassinatos resultantes de intervenção policial - independentemente da classificação - sejam investigados como homicídios e que as mudanças nos termos usados nos registros de casos não resultem em falta de transparência e/ou perda de informações sobre o número de mortes causadas pela polícia.
- Alterar a lei 13.491/2017 que transferiu a jurisdição de tribunais civis para tribunais militares para todos os crimes cometidos por pessoal militar contra civis e garantir que qualquer violação de direitos humanos cometida por militares seja investigada e processada por tribunais civis ordinários.
- Garantir que os mecanismos externos de responsabilização e monitoramento da polícia sejam verdadeiramente independentes e dotados de legitimidade institucional, estrutura, poderes e capacidade para acessar informações, revisar proativamente e propor mudanças nas políticas e práticas de aplicação da lei.
- Estabelecer claramente, em leis e regulamentos, a responsabilidade de oficiais comandantes e outros superiores por eventuais condutas ilegais adotadas pela polícia, incluindo discriminação racial no uso da força e outras táticas policiais.
- Fornecer proteção eficaz e oferecer apoio psicológico a todas as vítimas e famílias de vítimas de abusos policiais e garantir o direito ao acesso à justiça e reparações adequadas, incluindo compensação e garantias de não repetição.