Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

“Majestade, volte ao Brasil” - carta a D. João VI

Antonio Carlos Mariz de Oliveira 21 Mai 2021, 13:40 carta-a-d.joao.jpeg

O retorno de Vossa Majestade ao Brasil depois de duzentos anos de sua volta a Portugal está sendo aguardado com muita esperança.

Tudo faremos para agradá-lo. Franguinhos gordos, doze por dia. Passeios diários pela Floresta da Tijuca. Banhos com água do mar, dentro das bacias reais.

Dona Carlota Joaquina será barrada se vier, pois ao que parece não está imunizada contra nenhum vírus, especialmente o da feiura.

D. João, os seus feitos o credenciaram a voltar, para trazer na bagagem novas benfeitorias e o aperfeiçoamento das antigas, que se encontram deterioradas por má gestão. A bagagem real deverá trazer algo precioso para o nosso sofrido povo: a esperança.

O Banco do Brasil deve deixar de ser instrumento político, sem interferências indébitas dos governos, para novamente constituir um orgulho nacional; a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes necessitam recuperar a importância cultural que tiveram a Biblioteca Real e a Academia Real de Belas Artes; os nossos portos precisam ser reabertos, várias nações a eles não têm acesso pois foram fechados por picuinhas ideológicas; esperamos o saneamento para nossas cidades, como foi saneado o Rio de Janeiro da época. Sonha-se, ainda, com outras e tantas outras providências adotadas há dois séculos e ignoradas na atualidade.

Ademais, Vossa Majestade saberá colocar os nossos representantes a serviço da nossa diplomacia tradicional, com foco na paz e na solidariedade entre os povos, mas que foi interrompida pelo diplomata da discórdia, o sr. Araújo.

A natureza, a fauna, a flora, o meio ambiente em geral, nos dias de hoje, são questões desprezíveis para o governo. Assim sendo, talvez os naturalistas, botânicos e biólogos que vieram com Vossa Majestade possam desenvolver um trabalho contrário à ação predatória do ministro boiadeiro.

Deve ser esclarecido que a sua volta não irá obrigar os brasileiros a deixar os seus lares, para abrigar os membros da corte. O PR (Ponha-se na Rua) não será estampado nas portas das casas, como da vez anterior.

Os habitantes da cidade a ser escolhida por Vossa Alteza para se instalar permanecerão em suas moradas. Não é preciso que venham muitos súditos, como da vez anterior, quando a corte para cá se locomoveu.

Os portugueses não estarão em fuga. Ademais, Vossa Majestade encontrará no Brasil políticos, administradores, intelectuais, juristas, médicos, absolutamente aptos a gerir com competência as respectivas áreas.

Eles não estão sendo aproveitados porque o capitão presidente se arvora em absoluto senhor das verdades, de todas elas. Ademais, como diz, possui a caneta, portanto, além de pensar que tudo sabe, pensa que tudo pode.

Os bons brasileiros estarão prontos a ajudar. É preciso saber, Alteza, que inúmeros cidadãos e cidadãs honestos e bem pensantes afastaram-se da política e dos cargos públicos. Mas, a um chamado de Vossa Majestade, todos acorrerão pelo Brasil.

Nós que já fomos exemplo na condução de campanhas de vacinação, hoje estamos sem rumo, a não ser o dos nossos lotados cemitérios e hospitais.

Venha, mas venha logo. Urge que Vossa Majestade repita as medidas e providências que adotou para combater a varíola. Chegou inclusive a criar um órgão para cuidar da vacinação.

Poderá Sua Alteza indagar se nós não estamos devidamente aparelhados para enfrenar a epidemia da Covid-19. Sempre estivemos prontos a enfrentar quaisquer epidemias. Hoje, não. Houve um criminoso desmanche na eficiente estrutura de vacinação que possuíamos.

Não há planejamento, não se acode às carências hospitalares, medidas de proteção à saúde são desestimuladas, sequer solidariedade é prestada. Note-se, não se cumpre o mínimo óbvio: vacinas não são compradas em número suficiente.

Alimentar uma polêmica com governadores e prefeitos é unicamente o que importa. Sempre se está à cata de controvérsias que permitam um confronto em um clima de desarmonia, intolerância e até de ódio.

É importante realçar que a questão nacional não é apenas ideológica, antes disso é um problema de má gestão. O atual mandatário se diz de direita. Embora eu não apoie as suas teses, com certeza a direita possui representantes de maior envergadura.

Vossa Majestade deixou no Brasil seu filho Pedro I, que nos legou a independência. Agora, necessitamos de sua colaboração para alcançarmos uma outra independência: queremos nos livrar do jugo de uma tirania cabocla, ainda em formação, mas já de alto risco, pois orquestrada e apoiada por um grupo autoritário e indiferente às luzes da cultura, da educação, da ciência. Os seus componentes têm como foco exclusivo a discórdia, a malquerença e a destruição.

Somos milhões de brasileiros, que independente de crenças religiosas e ideológicas, possuem inquebrantável fé e inabalável esperança no porvir.

Almejamos apenas uma troca de comando. Vossa Majestade simboliza, como alegoria, essa mudança. Temos convicção absoluta de que o futuro, seja ele qual for, não nos trará consequências mais ruinosas do que a permanência do status quo.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S. Paulo , 21/05/2021