"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

Nossa gratidão a Diogo de Sant’Ana

Paulo Vannuchi e Paulo Sérgio Pinheiro 4 Jan 2021, 12:48 diogo-santana.jpg

Recebemos da Comissão Arns a honrosa tarefa – embora muito triste – de expressar nossa gratidão a Diogo de Sant’Ana, que morreu aos 41 anos, de forma trágica, no último dia do terrível ano que foi 2020.

Diogo foi um apoiador e um entusiasta da Comissão Arns desde as suas reuniões preparatórias, tendo sido inclusive o responsável pela cessão, para o lançamento da Comissão Arns, da Sala dos Estudantes na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, junto aos dirigentes do Centro Acadêmico XI de Agosto, onde também foi diretor em 1999 e 2002.

Emociona lembrar que os 500 assentos daquele auditório, pautado por incontáveis manifestações em defesa da liberdade, não foram suficientes para as mais de mil pessoas que superlotaram as imediações das Arcadas, demonstrando o quanto a defesa dos direitos humanos havia se convertido em trincheira prioritária de resistência já naquele 20 de fevereiro de 2019.

Entre suas importantes contribuições à Comissão Arns, merecem registro especial pelo menos dois eventos. O primeiro foi sua cooperação no planejamento, com André Singer, da Mesa Nacional de Diálogo contra a Violência, ocorrida na sede nacional da OAB, em Brasília, evento precursor da articulação que uniu OAB, CNBB, ABI, SBPC, ABC e Comissão Arns como signatários do Pacto pela Democracia e pela Vida, assim como autores de várias outras denúncias e iniciativas decorrentes.

Junto com o Grupo de Apoio da Comissão Arns e Luiz Carlos Bresser Pereira, Diogo contribuiu de forma brilhante em reuniões conjuntas com o Instituto Ethos de Responsabilidade Social das Empresas, buscando construir paradigmas para barrar a grave repetição de agressões, torturas e assassinatos perpetrados por empresas terceirizadas de segurança em estabelecimentos comerciais, vitimando como regra geral pessoas negras.

Formado em Direito em 2003 e obtendo o doutorado em Direito Econômico também na USP, em 2012, Diogo desempenhou inúmeras atividades de elevada assessoria parlamentar, tanto em São Paulo quanto em Brasília, atuando em áreas vitais dos governos Lula e Dilma, com foco especialíssimo na formulação de políticas nacionais de proteção e apoio aos moradores das ruas e catadores de materiais recicláveis.

Foi casado durante 17 anos com Lívia Sobota, com quem teve os filhos Gabriela, hoje com 11 anos, e Caetano, com 7. No período em que sua companheira servia como diplomata na Missão brasileira junto às Nações Unidas, em Nova York, entre 2015 e 2017, aproveitou para retomar com garra os estudos de especialização em direito e políticas públicas. Primeiro na Universidade de Columbia, e depois em Harvard, onde fez mestrado em administração pública na Kennedy School.

Nestes últimos anos, era sócio no escritório de advocacia de Vinícius de Carvalho, seu maior amigo e presidente do XI de Agosto, na mesma gestão em que ele próprio assumia a secretaria geral, em 1999. Ambos vinham esboçando atualmente um programa para viabilizar bolsas de estudo modestas que permitam a estudantes negros e negras, na área do direito, dedicação exclusiva aos estudos, ou pelo menos alguma especialização complementar em línguas.

Menino pobre na Capela do Socorro, periferia de São Paulo, filho de Carminha, professora que o criou sozinha, foi estudante do Equipe antes de ingressar na USP. Sua mãe tinha sido uma das fundadoras do Samba da Vela, tradicional manifestação cultural sambista na Zona Sul da capital.

A paixão de Diogo pelo samba só era comparável à que nutria pelo Corinthians. Uma enorme bandeira desse time cobriu seu ataúde na hora do sepultamento, no cemitério Gethsêmani, na manhã de domingo, com um grupo musical executando “Tristeza, por favor, vá embora....” e o samba de Gonzaguinha que propõe viver sem ter a vergonha de ser feliz.

Nas falas de despedida, o maior tributo a Diogo de Sant’Ana foi o agradecimento prestado pelo líder dos catadores à dedicação completa e total que encontraram naquele companheiro durante 15 anos.

Muito orgulhoso, sempre, de se afirmar como negro, era dotado de extraordinária energia e contagiante amor pela vida. Energia que a Comissão Arns recolhe como inspiração, buscando que milhares de jovens em nosso país sigam os seus passos, mantendo de alguma forma sua presença viva.

Muito obrigado, Diogo.