Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

O controle da polícia e a banalização das mortes de policiais

Paulo Sérgio Pinheiro 10 Set 2019, 10:20 adolescente_italiano.jpg

No mês passado, circulou por toda a imprensa italiana a foto de um jovem, de bermuda, com uma venda cinzenta nos olhos, sentado entre um policial que aparece de costas, e outro, de frente, que aparece com o rosto cortado. Ao lado, vê-se uma tela de computador e fones de ouvido. Na parede, uma foto do general Carlo Alberto dalla Chiesa e outra dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, todos assassinados pela máfia italiana.

Foi um deus nos acuda! A fotografia que chocou governo e sociedade na Itália era do adolescente norte-americano Gabriel Natale-Hjort. Com 18 anos recém-completados, ele é acusado de matar com onze facadas o carabineiro (os carabinieri são a força nacional de polícia militarizada na Itália) Mario Rega. A imagem do rapaz – cabeça inclinada para baixo, pulsos com algemas fixadas na cadeira – foi imediatamente associada às imagens dos presos de Abu Graib, no Iraque.

A desculpa furada dada pelos policiais foi que vedaram os olhos do suspeito para que ele não visse a documentação e o monitor sobre a mesa. Pois bem, não colou. O comandante-geral dos _carabinieri _não hesitou: “Trata-se de um episódio inaceitável e como tal deve ser tratado. Os nomes dos policiais envolvidos foram logo divulgados e uma investigação foi aberta (não de mentirinha, como as nossas), para definir a responsabilidade disciplinar e penal dos envolvidos. O inquérito continua.

Apesar de todas as manifestações do vice-primeiro-ministro de extrema-direita (que caiu faz semanas) sobre a falência da segurança nas cidades italianas e até a evocação da pena capital, as cerimônias fúnebres do policial assassinado foram marcadas pela sobriedade. O comandante-geral lembrou que ele “foi morto por tutelar os direitos de todos”, convidando ao respeito e ao reconhecimento de sua vida. Duas mil pessoas compareceram. Metade do governo estava lá. Presentes o vice-primeiro-ministro, dois ministros, três secretários de estado, os vice-presidentes da Câmara e do Senado. Já viram ministros de estado em enterro de policiais, entre nós, brasileiros?

Por que esses fatos interessam à Comissão Arns? Primeiro, porque no Brasil policiais fazem o que bem entendem com suspeitos em delegacias e não prestam contas a ninguém. Por causa da foto – que entre nós não causaria tanto choque – até hoje os policiais continuam investigados. E também porque, não menos importante, por aqui a democracia convive com a banalização das mortes dos policiais – em si, graves atentados ao estado de direito, por serem crimes contra os agentes do monopólio da violência pelo Estado. As investigações das mortes de policiais são precárias. Indenizações para os cônjuges e bolsas de estudos para os filhos inexistem.

Para ser absolutamente coerentes, não podemos exigir o controle da polícia como questão-chave da diferença entre democracia e ditadura e, de outro lado, ficar silentes sobre as execuções de policiais militares e civis. Falta indignação pela sociedade e pelo Estado com os assassinatos de policiais em desempenho de suas funções.