"A demarcação das terras indígenas e a proteção de seus povos é tarefa inescapável do Estado brasileiro e exige o compromisso, de boa-fé, de todos os Poderes da República." - Nota Pública da Comissão Arns

Revisão sobre tortura no Brasil em comitê da ONU

Paulo Lugon Arantes 24 Abr 2023, 10:11 presidios_0 Foto: Agência Brasil

Foi positiva a passagem do Estado brasileiro pela revisão periódica pelo Comitê contra a Tortura das Nações Unidas (CAT), dias 18 e 19 de abril, com várias declarações sinceras pelo governo federal atual, reconhecendo dívidas históricas e outras mais recentes, após a redemocratização do Brasil.

Na pauta do diálogo entre os peritos do CAT e o Estado figuraram temas como a falta de independência funcional dos Institutos Médicos Legais, audiências de custódia, o racismo institucional da prática generalizada de tortura, crise no sistema socioeducativo, pouquíssimas sentenças condenatórias do crime de tortura, comunidades terapêuticas e a população em situação de rua.

Essa revisão, no entanto, para ser efetiva, tem que ser encarada não como uma mera efeméride ocorrida em uma sala da Organicação das Nações Unidas (ONU) em Genebra, mas como um processo doméstico contínuo, de divulgação do conteúdo das recomendações e compartilhamento de tarefas entre os entes federados e os poderes constituídos. Necessária uma mudança de mentalidade na sociedade brasileira, para que os esforços de implementação comecem logo quando saia o documento de análise do CAT, diminuindo uma brecha de 22 anos sem revisão por esse comitê.

O Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura deve voltar a funcionar em plena capacidade, incluindo a adoção por lei dos mecanismos estaduais, cumprindo com as obrigações advindas do Protocolo Facultativo à CAT.

O Judiciário deve encarar o documento de revisão do CAT como um aliado para analisar alegações de tortura. A CAT e seu Protocolo Facultativo não constituem “direito estrangeiro”, mas direito pátrio, tratados ratificados soberanamente pela nação, inclusive tramitando pelos eleitos do povo, no Congresso Nacional. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve instruir o Judiciário, inclusive a magistratura de primeiro grau, que lida com a situação no terreno, a utilizar este rico material de análise em suas decisões.

O executivo federal deve chamar a um diálogo franco as secretarias estaduais como segurança, direitos humanos e fazenda, além dos seus próprios ministérios, para garantir uma implementação concreta das recomendações. Ao Congresso cabe um mapeamento das lacunas legislativas indicadas pelo CAT e um esforço suprapartidário para supri-las. Seria também interessante a comunidade de comunicadores sociais consultar o documento sempre que noticiarem sobre tortura.

Será uma perda de esforços e recursos se a rica análise do CAT for consultada apenas no momento de elaborar o relatório seguinte. Ao contrário, um monitoramento visto como um processo contínuo poder salvar vidas e evitar mais sequelas graves. Esses lutos e sequelas doem demais no Brasil, que luta para recuperar sua autoestima como uma nação que cuida de seu povo convalescente da pandemia da Covid-19, do ódio e da violência.

O mesmo Brasil, que foi elogiado ao apoiar a adoção das Regras de Mandela pela ONU – em uma ponta – deve fazê-las valer em cada cela e instituição onde a tortura e os maus tratos possam ocorrer – na outra ponta. Um país moderno, cujo Estado utiliza a tecnologia em vários outros ramos da vida pública, inclusive para recolher tributos, deve aplicar essa mesma tecnologia no combate à tortura, a fim de erradicar com verdadeiras masmorras que insistem em existir na lista das dívidas históricas do país.

Não temos tempo a perder.