Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Somar forças na defesa da vida

Laura Greenhalgh 31 Out 2019, 9:44 caminhada-jd-angela.jpg

Se você vive numa bolha chamada omissão, acorde. Vem conhecer as lutas das periferias. Vem andar pelas quebradas. Vem juntar os saberes, as potências, as experiências. Vem compartilhar tudo isso. E não se esqueça: clamar por direitos é direito nosso. Hoje a gente entende que a causa é maior. É de todo mundo. É nacional.

O trecho acima é extraído das falas de jovens que se reuniram na Paróquia dos Santos Mártires, no Jardim Ângela, zona Sul de São Paulo, no último dia 12 de outubro, para o lançamento da campanha Vida Nossa Viva. São jovens da periferia que não se envergonham em sê-lo; que sentem no seu cotidiano o endurecimento das políticas de segurança, mesmo que as taxas de homicídio venham declinando em São Paulo; que percebem o risco de ser enquadrado nos três ¨pês¨ – preto, pobre e periférico. Mas dizem que não vão deixar barato. Queremos vida em plenitude e diversidade, declaram.

A campanha Vida Viva, apoiada pela Comissão Arns, é um desdobramento da resistência cidadã que se formou no Jardim Ângela, na periferia de São Paulo. Em 1996, este bairro liderou o ranking da ONU dos mais violentos do mundo. Se aquele destaque negativo causou incômodo para as autoridades, deu ânimo de combate para Jaime Crowe, um sacerdote irlandês que desde os anos 1980 já vinha tentando juntar os cacos da sua paróquia estilhaçada – uma paróquia que amanhecia o dia contando corpos nos becos e à noite assistia missa com tiroteios do lado de fora da igreja.

Em 1997, no Dia de Finados, os moradores do Jardim Ângela decidiram reagir, fazer alguma coisa – e saíram em procissão até o Cemitério São Luís para rezar pelos que perderam. Seu protesto de dor não era apenas contra a violência de que eram vítimas, mas a favor da vida a que têm direito. Desde então, as caminhadas do padre Jaime foram se repetindo ano após ano, chamando a atenção não mais para um ranking vergonhoso, mas para a capacidade de resposta da ¨perifa¨ organizada.

E resposta de alto nível: sozinhos ou em parcerias, essas pessoas criaram a Associação dos Santos Mártires, organização que articula toda uma rede de entidades das periferias, em mobilização já que trouxe creches, bibliotecas, serviços de atendimento médico e psicológico, centro cultural, capacitações profissionais, até curso de línguas para a região. Da Associação nasce também o Fórum de Defesa da Vida, que hoje é o motor da campanha Vida Vida.

E o que pretende a campanha? Colocar em prática o que os jovens disseram dias atrás, no lançamento: hoje a gente entendeu que a causa é maior, é de todo mundo.

Vida Viva é a caminhada do Pe. Jaime acontecendo não só no Jardim Ângela, mas em outros pontos do país, neste próximo 2 de novembro, mais um Dia de Finados. Trata-se de denunciar o crescimento da violência no Brasil, estimulado pelo discurso do ódio, pelo preconceito, pelo fanatismo. Vida Viva faz um chamamento a todos os brasileiros: hora de se contrapor a uma necropolítica que prefere matar liminarmente do que ir a fundo nas raízes da desigualdade, da intolerância e da sistemática violação a direitos fundamentais.

Ao apoiar esse chamamento, a Comissão Arns junta-se à campanha Vida Viva como parte das atividades da Mesa Nacional de Diálogo Contra a Violência, outro eixo de mobilização da sociedade lançado em Brasília, no mês de agosto.

A Mesa Nacional de Diálogo Contra a Violência é uma iniciativa da Comissão Dom Paulo Evaristo Arns de Defesa dos Direitos Humanos, em parceria com Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Instituto Sou da Paz, Instituto Ethos, Conselho Federal de Psicologia e outras entidades. A ideia que une essa grande rede ao Pe. Jaime e sua resiliente comunidade é tão simples quanto essencial: somar forças na defesa da vida.