“A forte ressurgência da pistolagem no sudeste paraense nos últimos anos não parece uma repetição das estruturas arcaicas associadas ao velho jaguncismo. Há algo de novo, pois a violência armada se organizou, inclusive politicamente, para atingir seus desígnios criminosos”, Luiz Armando Badin, membro associado da Comissão Arns.

TPI informa avaliação preliminar da jurisdição do caso contra Bolsonaro

15 Dez 2020, 8:21 manifestacao-indigenas-christian-braga-mni.jpg

O escritório da Procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) comunicou oficialmente, dia 14 de dezembro de 2020, ao Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e à Comissão Arns que os fatos relacionados à destruição ambiental e ataques a povos indígenas estão formalmente sob avaliação preliminar de jurisdição. A ação foi levada ao órgão estabelecido em Haia, nos Países Baixos, pelas duas entidades em novembro de 2019. É a primeira vez em que o Escritório da Procuradora Chefe do TPI se dispõe a realizar uma análise preliminar da jurisdição em relação a um presidente da República brasileiro.

Nesta fase será analisada a adequação dos graves crimes informados à jurisdição do TPI e, na sequência, poderá ser aberto inquérito oficial. O documento informa que o escritório da Procuradora-Chefe do TPI vai analisar os fatos o mais rápido possível, mas que a conclusão pode levar algum tempo.

“É importante que as instâncias internacionais estejam cientes dos atos do presidente Jair Bolsonaro, que, desde o início do seu mandato, viola sistematicamente os direitos dos povos indígenas e do meio ambiente”, afirma Belisário dos Santos Júnior, membro fundador da Comissão Arns. Para Eloísa Machado, advogada do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), “a análise preliminar da jurisdição já é uma enorme vitória, algo sem precedentes, pois estamos diante de instituições internacionais voltadas para avaliar os mais graves crimes que podem ser cometidos”.

Após a avaliação preliminar da jurisdição, da admissibilidade e dos interesses da Justiça, elementos que compõem o exame preliminar, a procuradora-Chefe Fatou Bensouda pode denunciar o presidente Jair Bolsonaro perante o TPI, que fará um julgamento preliminar. Caso os fatos se confirmem, Bolsonaro pode ter um julgamento e ser condenado por crimes previstos no Estatuto de Roma. O Tribunal avaliará a intencionalidade dos atos cometidos por Bolsonaro na destruição dos órgãos de proteção ambiental e nos discursos contra os povos indígenas”, explica a advogada do CADHu Juliana Vieira dos Santos.

Histórico

O CADHu e a Comissão Arns enviaram ao escritório da Procuradora do TPI, em novembro de 2019, uma comunicação sobre indícios de crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de povos indígenas praticado pelo presidente Jair Bolsonaro.

A comunicação das organizações, baseada no artigo 15 do Estatuto de Roma, sustentou que, desde o início de seu governo, o presidente incitou violações contra populações indígenas e tradicionais, enfraqueceu instituições de controle e fiscalização, demitiu pesquisadores laureados de órgãos de pesquisa e foi flagrantemente omisso na resposta aos crimes ambientais na Amazônia, entre outras ações que alçaram a situação a um ponto de alerta mundial. Por esse conjunto de ações, o CADHu e a Comissão Arns entendem que Bolsonaro é pessoalmente responsável por um crime contra a humanidade, fato motivador da denúncia.

As entidades dizem que as medidas tomadas por Bolsonaro promoveram a incitação ao cometimento de genocídio contra os povos indígenas e tradicionais brasileiros, uma vez que podem intencionalmente “destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico” por meio do “homicídio de lideranças e membros de povos indígenas tradicionais” (art. 6.a do Estatuto de Roma); de “ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo” (art. 6.b); ou da “sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial” (art. 6.c).

Praticados de forma generalizada e sistemática no bojo de uma política estatal de incitação, os atos configuram crimes contra a humanidade, já que podem levar a: (i) extermínio (art. 7.1.b do Estatuto de Roma), na medida em que as condições de vida e os modos de existência dos povos indígenas estão sendo destruídos pela contaminação dos rios e a invasão de suas terras por garimpeiros, madeireiros e grileiros; (ii) transferência forçada de pessoas (art. 7.1.d); (iii) perseguição (art. 7.1.h), demonstrada pela rápida desinstitucionalização da política indigenista brasileira e pela degradação de suas terras, que o Governo sistemática e dolosamente falha em proteger (assemelhado à destruição de casas e propriedades na jurisprudência do TPI); e (iv) “outros atos inumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental” (art. 7.1.k).

O que faz o TPI?

O TPI investiga e julga indivíduos acusados de crimes que atingem uma sociedade e chocam a comunidade internacional, tais como: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão. O Tribunal foi estabelecido pelo Estatuto de Roma, em julho de 1998, e entrou em vigor em julho de 2002, quando houve a adesão do 60º país. O Estatuto de Roma é um tratado internacional, obrigatório somente aos Estados que expressaram formalmente seu consentimento, como é o caso do Brasil.