TPP encerra julgamento de Bolsonaro. Sentença deve sair em julho
25 Mai 2022, 19:02 Mari MendesTerminou hoje a 50ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), realizada dias 24 e 25 de maio, a partir das cidades de Roma e São Paulo. Centenas de pessoas participaram presencialmente dos atos presenciais, na Faculdade de Direito da USP, e milhares acompanharam por meio de sites e redes sociais.
O júri internacional irá trabalhar sobre os elementos apresentados para divulgar o veredicto, previsto para acontecer no mês de julho. O governo brasileiro foi notificado da denúncia com a devida antecedência, pelo secretariado do TPP, em Roma, mas não enviou representante para fazer a defesa perante o tribunal.
Terça-feira, 24 de maio de 2022
No primeiro dia, a saudação inicial contou com falas de representantes das organizações responsáveis pela iniciativa -- José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns; Paulo Sergio Pinheiro, membro fundador da Comissão Arns; Wania Sant’Anna, integrante da Coalização Negra por Direitos; Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib; e Denise Motta Dau, secretária sub-regional da Internacional de Serviços Públicos --, além da presença da vice-diretora da Faculdade de Direito da USP, Ana Elisa Bechara.
“Colocamos neste tribunal de opinião a esperança de ver um dia esse governo condenado pela Justiça formal, tanto nacionalmente quanto internacionalmente, pelos inúmeros crimes cometidos. As vítimas aqui representadas pelas entidades presentes estão clamando por seus direitos enxovalhados, pelo direito à vida -- clamando, enfim, por justiça”, afirmou Dias.
“Essa sessão deverá impactar a consciência política dos brasileiros e contribuir para restaurar a indignação quanto à impunidade do presidente Jair Messias Bolsonaro em seus crimes contra a humanidade -- a incitação ao genocídio, atingindo a população negra, os povos indígenas e os profissionais de saúde na pandemia de Covid-19”, disse Paulo Sergio Pinheiro.
Tuxá explicou o que seria apresentado pelos povos indígenas na sessão: “trouxemos para o tribunal vários elementos que configuram não só genocídio, mas também crimes contra a humanidade e contra o meio ambiente. O desmonte de políticas ambientais indigenistas agravou, de forma severa, os conflitos socioambientais e, consequentemente, a morte e criminalização de várias lideranças indígenas”.
Em seguida, foi realizada uma abertura formal com Gianni Tognoni, secretário-geral do TPP, que entrou remotamente da Itália. “O trabalho, nos últimos seis meses, foi de garantir a presença real das comunidades que foram vítimas do que aconteceu nos últimos anos, de modo a lhes oferecer o papel não de vítimas, mas sim de sujeitos de direitos humanos e fundamentais. É importante dar visibilidade específica ao destino das pessoas que estão presentes, porque uma das características da pandemia no Brasil foi o impacto planejado e específico sobre os direitos dessas populações”, afirmou o médico sanitarista italiano.
A acusação foi sustentada por Eloísa Machado, advogada, professora de Direito Constitucional da FGV Direito-São Paulo e membro apoiadora da Comissão Arns; Maurício Terena, advogado e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e Sheila de Carvalho, advogada e articuladora da Coalizão Negra por Direitos.
“No caso brasileiro, falamos da adoção de uma política deliberada de contaminação por Covid-19, que persistiu dois anos após o início da pandemia. O presidente seguiu adotando a estratégia de contaminar todas e todos nós com a Covid-19. O relatório da CPI revelou isso, pesquisas acadêmicas revelaram isso, e centenas de milhares de mortos são a prova disso. Vítimas de uma política criminosa implementada pelo presidente”, afirmou Machado durante a acusação.
Ainda na terça-feira, foram realizadas oitivas das testemunhas referentes à violação ao direito à saúde e dos direitos dos profissionais de saúde e à violação dos direitos da população negra. Foram ouvidos o senador Humberto Costa; a professora Deisy Ventura; o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde CNTS, Valdirlei Castagna; o Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social CNTSS, Benedito Augusto; a Presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros, Shirley Marshal; e diretora de Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck.
Os jurados puderam fazer perguntas às testemunhas. O júri dessa sessão do Tribunal Permanente do Povos é presidido pelo ex-juiz italiano Luigi Ferrajoli, professor catedrático da Universidade de Roma, e composto por: Alejandro Macchia, Boaventura de Sousa Santos, Clare Roberts, Eugenio Raúl Zaffaroni, Jean Ziegler, Joziléia Kaingang, Kenarik Boujakian, Luís Moita, Nicoletta Dentico, Rubens Ricupero, Vercilene Kalunga e Vivien Stern.
O advogado Luiz Armando Badin, membro apoiador da Comissão Arns, fez o fechamento do primeiro dia com a sistematização dos depoimentos. “Em suma, os testemunhos que ouvimos indicam que a História parece mesmo um pesadelo do qual não conseguimos acordar. Esperamos que esta quinquagésima sessão do Tribunal Permanente dos Povos aponte a direção de um caminho mais digno para o povo brasileiro. Que, escutando as vozes que hoje clamaram por justiça, julgue com firmeza, com verdade e com justiça as graves acusações de crimes contra a humanidade que ouvimos, quase sem respirar, nesta manhã de maio do ano decisivo de 2022”, afirmou.
Quarta-feira, 25 de maio de 2022
No segundo dia da sessão, a abertura ficou por conta de cinco membros da Comissão Arns: Paulo Sergio Pinheiro, Maria Victoria Benevides, José Luiz del Roio, Belisário dos Santos Jr. e Antonio Cláudio Mariz de Oliveira.
“Participar como se estivesse festejando algo de ridículas exibições de motos, jet skis e cavalos, em momento de luto, é, na verdade, brindar a morte. Subestimar a vida e menosprezar o sofrimento alheio. É o que ele [Bolsonaro] faz”, afirmou Mariz de Oliveira em seu discurso.
Em seguida, o advogado e assessor jurídico da Apib Maurício Terena apresentou as testemunhas, que falaram sobre a violação de direitos dos povos indígenas no âmbito da pandemia de Covid-19. Foram ouvidos Lindomar Terena, indígena do povo Terena; Auricélia Fonseca, indígena Arapium, liderança da Amazônia brasileira e coordenadora do Conselho Indígena dos Rios Tapajós e Arapiuns (Cita); e Carolina Santana, assessora jurídica do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).
“A primeira pessoa a morrer por Covid-19 no meu estado [Pará] foi uma anciã do meu povo. Uma anciã, para outros, pode ser apenas um velho. Mas, para nós, são as pessoas mais importantes que existem dentro das aldeias, é lá que está toda a sabedoria do nosso povo. São nossas bibliotecas vivas que essa pandemia levou por culpa desse governo genocida”, relatou Auricélia.
Após as perguntas dos jurados, Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga e membro fundadora da Comissão Arns, realizou a sistematização dos testemunhos. “Chegamos a um momento em que se une a ideia, viabilizada pela Covid, de destruir fisicamente com a prática de, nas esferas legal e infralegal, descaracterizar os direitos indígenas sobre suas terras. Esse é o atual quadro de que estamos falando”, afirmou.
As sessões estão disponíveis, na íntegra, no canal da Comissão Arns no YouTube.