Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões de nosso futuro. - Manifestação da Comissão Arns

Vlado 50 anos: celebração histórica pelas vítimas da ditadura

26 Out 2025, 14:34 aurea-jcd2 Foto: Áurea Lopes

Um ato histórico marcou a celebração, na Catedral de São Paulo, dos 50 anos de assassinato de Vladimir Herzog. Com a presença do presidente em exercício, Geraldo Alckmin, ministros, parlamentares e representantes da sociedade civil, foi realizado um ato inter-religioso que lotou a igreja na noite de 25 de outubro - dia do falecimento de Vlado.

Promovido pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Comissão Arns, o ato emocionou o público pelas falas, vídeos de época e números musicais executados pelo Coral Luther King e pela cantora Cida Maoreira.

Entre os oradores, o advogado de Herzog, José Carlos Dias, membro fundador da Comissão Arns, fez um dos discursos mais impactantes. Dias contou como foram os últimos minutos de vida do jornalista, relatados por seu colega de detenção, Rodolfo Konder.

Leia a íntegra:

"Estou vivendo uma grande emoção. Há mais de sessenta anos eu sou advogado. Defendi centenas de presos políticos. Me lembro, naquela madrugada, quando Audálio me telefonou e falou que o Vlado tinha sido morto. Não dava para acreditar.

Lembro também do depoimento que foi prestado por Rodolfo Konder, grande amigo do Vlado, que foi prestado no meu escritório, entre os meus colegas e outras personalidades que eu convidei para participar.

Rodolfo contou tudo que aconteceu até o momento em que Vlado foi morto. Eles estavam juntos, estavam com capuz, eles sussurraram um pro outro. Em seguida, o Vlado é levado.

Rodolfo se lembrou dos gritos que ele ouvia, dos gritos de protesto contra a violência que estava sendo prestada contra aquele jornalista na cadeira do dragão. Os gritos continuavam, os protestos continuavam. Era o Vlado que gritava querendo viver. De repente, os gritos pararam. E uma correria de homens arrastando, não sei se o corpo...

Esse depoimento foi colocado em várias cópias. Uma entregue ao presidente da ABI, outra foi entregue ao Hélio Pereira Bicudo, outra ficou comigo, para juntar ao processo assim que o Rodolfo saísse do país.

E mais um, aquele que era destinado à Igreja, foi entregue ao padre Caetano Jolim. Era o padre da igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Ele me contou que guardou aquele depoimento do Rodolfo no sacrário, embaixo do cálice. Aquele que era um testemunho vivo da violência praticada.

Isso passou. Nós continuamos a viver a dor nesta catedral. Milhares de pessoas. Nós todos torcendo, com Dom Paulo como maestro dessa luta. Dom Paulo Evaristo Arns, que eu insisto em chamar São Paulo Evaristo Arns.

Esse homem, que indiscutivelmente deu o grande salto pela liberdade neste país. Depois disso, na minha participação na Comissão de Justiça e Paz, tive uma convivência muito grande com ele. E senti a importância que esse homem teve para o Brasil.

Hoje, nós temos a alegria nós temos a alegria que a sociedade civil está presente e o medo que nós sentimos não é tão grande como naquela época. Hoje nós temos o presidente aqui presente, o presidente em exercício Alckmin, um homem que dá seu testemunho como religioso e como amante da democracia.

O que eu posso dizer mais? Posso dizer que tudo isso foi vivido não só pelos meus anos de advogado, mas muito na Comissão Nacional da Verdade, quando nós tivemos contato direto com toda a violência que era praticada Brasil afora. A Comissão Nacional da Verdade fez recomendações importantes para serem seguidas e muitas delas até agora não foram.

Uma delas se refere ao fato de que não podemos aprovar anistia para os torturadores. A anistia não poderia se estender aos agentes públicos. Mas apenas àqueles que foram perseguidos pelo Estado.

Hoje nós estamos perplexos diante da ameaça de uma outra anistia. Mas é uma anistia que não interessa à sociedade civil, uma anistia que violenta a democracia, uma anistia que absolutamente não está a favor dos direitos humanos.

Eu recordo da impressionante cerimônia, presente nesta casa, na nossa catedral, com Dom Paulo, Henry Sobel, James Wright. Foi uma cerimônia impressionante. Deu muita força. Eu creio que a partir daí o Brasil mudou. A partir daí o Brasil não foi o mesmo. Porque a violência foi denunciada. A sociedade civil soube responder.

E hoje aqui estamos, neste momento, com toda a emoção me dirijo a vocês dizendo graças a Deus ainda estamos vivos. E graças a Deus nós podemos lutar pelos seres humanos neste país. Os seres humanos não podem ser violentados. Isso que tem de ser proclamado com toda a veemência. Obrigado"